Acórdão nº 025/2018
ESTADO DA PARAÍBA
SECRETARIA DE ESTADO DA RECEITA
Processo Nº 031.565.2014-4
Recursos HIE/VOL/CRF Nº 083/2016
TRIBUNAL PLENO
1ª Recorrente: GERÊNCIA EXEC. DE JULG. DE PROCESSOS FISCAIS
1ª Recorrida: PROMAC VEÍCULOS MÁQUINAS E ACESSÓRIOS LTDA.
2ª Recorrente: PROMAC VEÍCULOS MÁQUINAS E ACESSÓRIOS LTDA.
2ª Recorrida: GERÊNCIA EXEC. DE JULG. DE PROCESSOS FISCAIS
Preparadora: SUBGERÊNCIA DA RECEBEDORIA DE RENDAS DA GERÊNCIA
REGIONAL DA PRIMEIRA REGIÃO.
Autuante: JOSÉ DOMINGOS MOURA ALVES
Relator : CONS.º PETRÔNIO RODRIGUES LIMA
CONFIGURADA DECADÊNCIA DE PARTE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS. COMÉRCIO COM VEÍCULOS USADOS. ERRO NO ENQUADRAMENTO PARA A SISTEMÁTICA DE RECOLHIMENTO DO IMPOSTO. ATO EQUIVOCADO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CORREÇÃO DE OFÍCIO. RECOLHIMENTO ESPONTÂNEO PELO SUJEITO PASSIVO NÃO REALIZADO. INFRAÇÃO CARACTERIZADA. MANTIDA DECISÃO MONOCRÁTICA. AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECURSOS HIERÁRQUICO E VOLUNTÁRIO DESPROVIDOS
Confirmado período alcançado pela decadência tributária, nos termos do art. 150, §4º, do CTN, ilidindo parte da acusação inserta na inicial.
O regime de recolhimento do ICMS inerente à comercialização de veículos usados era regulado, na época do fato gerador, pelo Decreto nº 30.106/2008. Equívoco da Repartição Preparadora na Notificação ao contribuinte quanto ao seu enquadramento neste Decreto, fez com que houvesse recolhimento a menor do ICMS devido. A Administração Pública, utilizando seu poder-dever de rever seus próprios atos em prol do interesse público, dentro do prazo decadencial de revisão do lançamento por homologação, oportunizou o contribuinte a recolher a diferença do imposto recolhido a menor de forma espontânea, que não foi atendido. Fato que ensejou o lançamento de ofício, de forma correta
Vistos, relatados e discutidos os autos deste Processo, etc...
A C O R D A M os membros do Tribunal Pleno de Julgamento deste Conselho de Recursos Fiscais, à unanimidade, e de acordo com o voto do relator, pelo recebimento dos recursos hierárquico, por regular, e voluntário, por regular e tempestivo, e quanto ao mérito, pelo desprovimento de ambos, para manter a sentença exarada na instância monocrática, que julgou parcialmente procedente, o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00000321/2014-55, lavrado em 11/3/2014, contra a empresa PROMAC VEÍCULOS MÁQUINAS E ACESSÓRIOS LTDA., CCICMS nº 16.000.554-0, qualificada nos autos, declarando devido o crédito tributário, no montante de R$ 954.924,61 (novecentos e cinquenta e quatro mil, novecentos e vinte e quatro reais e sessenta e um centavos), sendo os valores, de ICMS, R$ 636.616,35 (seiscentos e trinta e seis mil, seiscentos e dezesseis reais e trinta e cinco centavos), por infringência ao artigo art. 106, II, “a”, do RICMS/PB, aprovado pelo Decreto nº 18.930/96, c/c art. 1º, § 3º, do Decreto nº 30.106/2008, e da multa por infração, de R$ 318.308,26 (trezentos e dezoito mil, trezentos e oito reais e vinte e seis centavos), com fulcro no art. 82, II, “e”, da Lei nº 6.379/96.
Ao tempo em que mantenho cancelada,por indevida, a quantia deR$ 25.062,99 (vinte e cinco mil, sessenta e dois reais e noventa e nove centavos), sendo R$ 16.708,66 (dezesseis mil, setecentos e oito reais e sessenta e seis centavos), de ICMS, e R$ 8.354,33 (oito mil, trezentos e cinquenta e quatro reais e trinta e três centavos), de multa por infração.
Desobrigado do Recurso Hierárquico, na expressão do art. 84, parágrafo único, IV, da Lei nº 10.094/13.
P.R.I.
Tribunal Pleno, Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 31 de janeiro de 2017.
Petrônio Rodrigues Lima
Conselheiro Relator
Gianni Cunha da Silveira Cavalcante
Presidente
Participaram do presente julgamento os Conselheiros do Tribunal Pleno, GILVIA DANTAS MACEDO, JOÃO LINCOLN DINIZ BORGES, THÁIS GUIMARÃES TEIXEIRA, MARIA DAS GRAÇAS DONATO DE OLIVEIRA LIMA, DORICLÉCIA DO NASCIMENTO LIMA PEREIRA, NAYLA COELI DA COSTA BRITO CARVALHO e DOMÊNICA COUTINHO DE SOUZA FURTADO.
Assessora Jurídica
Relatório
Trata-se dos recursos hierárquico e voluntário, interpostos nos moldes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 10.094/2013, contra decisão monocrática, que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00000321/2014-55, lavrado em 11/3/2014, (fls. 3 a 5), onde consta descrita a seguinte irregularidade:
1. FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS >> Falta de recolhimento do imposto estadual.
NOTA EXPLICATIVA:
REFERENTE A DIFERENÇA CONFORME ENQUADRAMENTO DO CONTRIBUINTE NO §3º DO ART. 1º DO DECRETO Nº 30.106/2008.
Em decorrência da acusação, por infringência ao art. 106 do RICMS/PB, o autuante procedeu ao lançamento de ofício, exigindo o ICMS, no valor de R$ 653.325,01 e R$ 326.662,59, de multa por infração, arrimada no art. 82, II, “e”, da Lei nº 6.379/96, perfazendo o crédito tributário de R$ 979.987,60.
Demonstrativos e provas documentais instruem os autos às fls. 8 a 15.
Cientificado da autuação por via postal, fl. 16, por meio de AR recepcionado em 7/4/2014, o contribuinte apresentou tempestivamente peça impugnatória, protocolada em 7/5/2014, fls. 18 a 26, e anexos às fls. 27 a 123, que, em suma, traz à baila, em breve síntese, os seguintes pontos em sua defesa:
a) apresentou requerimento e termo de enquadramento em 15/01/2009, solicitando à Secretaria de Estado da Receita o enquadramento no regime de apuração do ICMS quanto à saída de veículos usados, estabelecido nos termos do Decreto nº 30.106/2008, e teria sido deferido nos termos do art. 4º, IV, do mencionado decreto;
b) assim, passou a recolher o ICMS relativo às operações comerciais de veículos usados, com base na área de exposição em sua sede;
c) foi notificada pela fiscalização deste Estado para recolher o ICMS no valor de R$ 412.166,50, haja vista o enquadramento da empresa ao Decreto nº 30.106/2008 ocorrer nos termos do seu art. 1º, §3º;
d) apresentou manifestação contra a Notificação expedida, sendo aquela indeferida;
e) alega que teria havido desrespeito aos Princípios da segurança Jurídica e do Devido Processo Legal, pois, no período de março/2009 a maio/2012 encontrava-se resguardada sob o direito de recolher o tributo do ICMS pela área de ocupação dos veículos por ter sido deferido formalmente o seu pedido de enquadramento nesta modalidade de recolhimento, requerendo a improcedência do feito acusatório.
Com a informação de haver antecedentes fiscais, mas não caracterizando reincidência para a infração em epígrafe, fls. 124 a 130, os autos foram conclusos à Gerência Executiva de Julgamento de Processos Fiscais e distribuídos à julgadora singular, Rosely Tavares de Arruda, que decidiu pela parcial procedência da ação fiscal, fls. 131 a 138, proferindo o seu decisório com a seguinte ementa:
FALTA DE RECOLHIMENTO DO IMPOSTO ESTADUAL. ICMS VEÍCULOS USADOS. ILÍCITO FISCAL CONFIGURADO. DECADÊNCIA PARCIAL.
O procedimento fiscal configurado pelo fato de o contribuinte descumprir o disposto no art. 1º, § 3º, do Decreto nº 30.106/2008, não recolhendo o imposto devido ao Estado, tem o efeito de inverter o ônus da prova ao contribuinte. In casu, as alegações e provas trazidas aos autos pela defesa não foram capazes de afastar a acusação imposta na inicial.
Decadência declarada de ofício, fazendo sucumbir parte do crédito tributário lançado na peça basilar.
AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
Da decisão acima, a julgadora a quo condenou o sujeito passivo ao crédito tributário no montante de R$ 954.924,61, sendo R$ 636.616,35, de ICMS, e R$ 318.308,26, de multa por infração.
Cientificada da decisão da primeira instância, por meio do via postal por meio de AR, fl. 141, recepcionado em 25/2/2016, o contribuinte ingressou com recurso voluntário, fls. 143 a 152, protocolado em 21/3/2016, fl. 142, em que traz à baila, em suma, os seguintes argumentos em sua defesa:
1. que, conforme previsão do art. 2º do Decreto nº 30.160/08, requereu à Secretaria de Estado da Receita (SER), em 15/1/2009, seu enquadramento no regime de apuração do ICMS, inerente à saída de veículos usados, ensejando o Processo nº 0046582009-3, o qual foi deferido, em 27/2/2009, nos termos do art. 4º, IV, do referido Decreto, ou seja, o recolhimento do ICMS passaria a ser realizado com base no tamanho da área para exposição dos veículos;
2. e assim procedeu a recorrente em relação aos recolhimentos subsequentes março de 2009 à maio de 2012;
3. em 13/6/2012, recebeu da SER a Notificação nº 0008646/2012 alterando a sistemática de recolhimento do ICMS, para o enquadramento disposto no art. 1º, §3º, do Decreto nº 30.160/08;
4. que teria sido surpreendida com o recebimento de notificação em 11/5/2011, para realização de pagamento do imposto no valor da R$ 412.166,50, considerando que a recorrente estaria enquadrada na situação do art. 1º, §3º, Decreto nº 30.160/08;
5. a Gerência de Tributação não apreciou seus argumentos de defesa contra a cobrança acima, sob o fundamento de não ser matéria de sua apreciação;
6. não haveria qualquer óbice à aplicação dos arts. 3º e 4º do Decreto 30.160/08, pois a atividade de vendas de veículos novos é distinta de vendas de veículos usados;
7. teria havido um desrespeito aos Princípios da Segurança Jurídica e do Devido Processo Legal, agravado pela cobrança de diferença do ICMS de maneira retroativa, referente à períodos em que a recorrente tinha decisão que lhe favorecia a recolher o imposto pela área de ocupação;
8. nos próprios documentos emitidos pelo Estado, nas informações fiscais de 9/6/2011 e de 28/2/2012, consta que “houve um equívoco” da própria administração pública;
9. a cobrança dos valores descritos no auto de infração é passível de causar grave crise financeira, e que o Decreto nº 30.160/08 fora devidamente observado pela recorrente, não podendo haver retratação tardia sobre decisão administrativa tomada pelo órgão competente para cobrança retroativa de tributo;
10. que teria havido uma violação ao Princípio do Não-Confisco;
11. qto ao efeito confiscatório da penalidade, discorda da decisão monocrática, que a fundamentou com base no art. 55 da Lei nº 10.094/2013, que trata da exclusão de sua competência para declaração de inconstitucionalidade;
12. ao final, aduz que em razão do permissivo expresso advindo da Secretaria de Estado da Receita quanto ao enquadramento da concessionária no Decreto nº 30.160/08, requer a improcedência da autuação, já que nos períodos denunciados a recorrente tinha direito a recolher o tributo pela área de ocupação dos veículos.
Seguindo a marcha processual, foram os autos encaminhados a este Órgão Colegiado, sendo distribuídos a esta relatoria, segundo critério regimental, para apreciação e julgamento.
Eis o relatório.
VOTO |
Trata-se de recursos hierárquico e voluntário, interpostos contra decisão de primeira instância que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00000321/2014-55, lavrado em 11/3/2014, fls. 3 a 5, contra a empresa PROMAC VEÍCULOS MÁQUINAS E ACESSÓRIOS LTDA., devidamente qualificada nos autos.
Importa, inicialmente, declarar que o recurso voluntário apresentado atende ao pressuposto extrínseco da tempestividade, haja vista ter sido protocolado dentro do prazo previsto no art. 77 da Lei nº 10.094/13, e que o lançamento em questão foi procedido consoante as cautelas da lei, trazendo devidamente os requisitos estabelecidos em nossa legislação tributária, não existindo incorreções capazes de provocar a nulidade, por vício formal, na autuação, nos termos dos artigos 15 a 17, da Lei nº 10.094, de 27 de setembro de 2013, DOE de 28.09.13[1].
Assim, a lavratura do Auto de Infração atende aos requisitos formais, essenciais à sua validade, visto que são trazidos de forma particularizada todos os dispositivos legais aplicáveis à matéria objeto dessa lide, e ainda, oportunizaram-se ao reclamante todos os momentos para que se defendesse, reiterando-se a ampla defesa e o contraditório, como assim o fez. Passo, então, a analise de mérito.
Mister se faz, inicialmente, analisar as razões de decidir da parte excluída da acusação fiscal pela instância singular, objeto de recurso hierárquico, que afastou da acusação o crédito tributário lançado em relação ao período de março de 2009, pelo alcance da decadência tributária.
Pois bem. O crédito tributário ora em análise, cujos lançamentos efetuados pelo sujeito passivo estavam pendentes de homologação pelo Fisco, está sujeito a regra de extinção prevista no art. 150, §4º, do CTN.
Trata-se de lançamento por homologação, aquele em que o próprio contribuinte apura, informa e recolhe o tributo antecipadamente sem prévio exame do Fisco. O Estado disporia então do prazo de 5 anos para dizer se concorda ou não com o valor pago pelo contribuinte, sob pena do seu reconhecimento tácito. Sendo identificado pelo Fisco, dentro do citado período, que houve recolhimento a menor por parte do contribuinte, deve aquele promover a cobrança da parte do imposto não recolhida, por meio do lançamento de ofício.
Assim, torna-se relevante a análise de qual seria o termo inicial para efeito da contagem do prazo da decadência tributária. Neste interim, necessário se faz ressaltar as disposições normativas do Processual Administrativo Tributário do Estado da Paraíba, Lei nº 10.094/2013, que consagrou o prazo da decadência nos seguintes termos:
Art. 22. Os prazos de decadência e prescrição obedecerão ao disposto na legislação especifica de cada tributo, respeitadas as regras do Código Tributário Nacional.
§ 1º A decadência deve ser reconhecida e declarada de ofício.
§ 2º Aplica-se o prazo decadencial previsto no § 4º do art. 150 do Código Tributário Nacional aos casos de lançamento por homologação.
§ 3° Na hipótese de tributo sujeito a lançamento por homologação, em que o contribuinte tenha realizado a entrega de declaração de informações fiscais, à Fazenda Estadual, ou tenha realizado recolhimento a menor do que o declarado, o prazo decadencial será de 5 (cinco) anos, contado exatamente da data da ocorrência do fato gerador. (g.n)
Portanto, considerando que a ciência do auto infração ocorreu em 7/4/2014, os créditos tributários relativos aos fatos geradores ocorridos anteriores a 7/4/2009 devem ser excluídos do lançamento de ofício, em razão do alcance da decadência tributária, como levantado pela instância a quo. Assim, só os fatos geradores ocorridos a partir de abril/2009, cuja apuração do ICMS ocorrera no final do período, devem ser considerados para o cálculo da diferença do imposto retido a menor, de acordo com a denúncia inserta na inicial. Comungo, assim, com a razão de decidir proferida pela instância preliminar.
O caso em tela requer que façamos um breve histórico dos fatos, que deram ensejo à ação fiscal de lançamento do crédito tributário combatido pela recorrente.
Conforme determinava o Decreto Estadual nº 30.106, de 23/12/2008, o contribuinte autuado requereu o enquadramento para o regime de recolhimento do ICMS, de que trata o aludido Decreto, em substituição à sistemática normal de tributação, no que tange à comercialização de veículos usados.
A atividade principal da recorrente é “Comércio a Varejo de Automóveis, Camionetas e Utilitários Novos” (CNAE 4511-1/01), e promove saídas de veículos usados como atividade secundária (CNAE 4511-1/02). Como tal, estabelece o Decreto 30.106/08 que, para esta atividade, a faixa de recolhimento mensal do ICMS na comercialização de veículos usados seria estabelecida com base na média de recolhimento efetuado nos últimos 12 meses. Se não vejamos:
Art. 1º. O estabelecimento revendedor de veículo usado (automóveis, camionetas e utilitários), em substituição à sistemática normal de tributação, passará a recolher o ICMS devido, mensalmente, através de regime de tributação de que trata este Decreto e sua fixação tomará por base informações fornecidas pelo contribuinte e/ou levantadas pelo Fisco, atendidas as disposições estabelecidas neste Decreto e, no que couber, as obrigações impostas aos contribuintes em geral, previstas no Regulamento do ICMS da Paraíba, aprovado pelo Decreto nº 18.930, de 19 de junho de 1997-RICMS/PB.
(...)
§ 3º Os estabelecimentos revendedores autorizados de veículos automotores novos que promovam saídas de veículos usados poderão optar pela forma de pagamento do ICMS estabelecida neste Decreto, mediante a apresentação de requerimento endereçado à Gerência Regional do seu domicílio fiscal, cuja faixa de recolhimento mensal será estabelecida com base na média de recolhimento efetuado nos últimos 12 (doze) meses, referentes à comercialização de veículos usados. (grifo nosso)
No entanto, ao deferir o pedido do contribuinte para enquadramento no Decreto nº 30.106/08, a Repartição Preparadora se equivocou ao enquadrá-lo no inciso IV de seu art. 4º, que trata apenas de revendedores de veículos usados, conforme documento juntado à fl. 117, cujo texto normativo abaixo transcrevo:
Art. 4º O estabelecimento revendedor de veículo usado recolherá, mensalmente, o valor fixado pela autoridade fiscal, de acordo com as faixas a seguir indicadas:
(...)
IV – R$ 1.915,00 (um mil novecentos e quinze reais), quando o estabelecimento tiver capacidade para abrigar acima de 22 (vinte e dois) veículos.
(...)
Em 11/5/2011, a Gerência do 1º Núcleo Regional notificou o contribuinte a recolher espontaneamente o ICMS levantado a menor, referente à diferença para o correto enquadramento no Decreto nº 30.106/08. Inconformada com a notificação recebida, a autuada apresentou defesa ao mesmo Órgão, Processo nº 0790312011-5, fls. 40 a 47, sob o fundamento de ter havido o cumprimento da obrigação tributária por parte da Promac, seguindo o permissivo expresso da Secretaria de Estado da Receita, quanto ao enquadramento no artigo 4º do aludido Decreto.
Submetendo a referida defesa à fiscalização para seu pronunciamento, esta se posicionou, fl. 61, no sentido de manter a notificação de cobrança, pelo seu enquadramento no art. 1º, §3º, do Decreto 30.106/08, pois teria ficado constatado o equívoco anterior da própria administração pública, e que o contribuinte tinha conhecimento do teor da citada norma.
Ainda não se conformando, o contribuinte solicita reconsideração da decisão, que foi submetida à análise e parecer da Gerência Executiva de Tributação (GET), sendo tal requerimento indeferido, conforme Parecer nº 2011.01.06.00089, fls. 75 a 77.
Diante do resultado acima, foi realizada nova notificação da fiscalização, fl. 90, para recolhimento espontâneo da diferença de ICMS devida, no importe de R$ 551.242,62, referente ao período de março/2009 a dezembro/2011, demonstrados à fl. 91.
Na sequencia, a Recebedoria de Rendas emitiu nova Notificação de enquadramento da recorrente ao Decreto nº 30.106/08, com data da ciência em 15/6/2012, em que informa que o recolhimento do imposto deverá ser realizado com base na média de recolhimento efetuado nos últimos 12 meses, referente à comercialização com veículos usados, fl. 87. Ocasião a partir do qual a recorrente passou a recolher o ICMS com base no art. 1º, §3º, deste Decreto.
Não sendo atendida as notificações para recolhimento espontâneo da diferença do ICMS recolhida a menor, foi lavrado o Auto de Infração em epígrafe, conforme acima relatado.
Diante deste breve relato dos fatos, passo a analisa-los, juntamente com as razões para o inconformismo da recorrente em relação à decisão singular, expressa em seu recurso voluntário.
Evidencia-se que o contribuinte, cuja atividade principal é “Comércio a Varejo de Automóveis, Camionetas e Utilitários Novos” (CNAE 4511-1/01), comercializa veículos usados, cuja forma de recolhimento do ICMS, quanto a esta última, poderia ser determinado pelo Decreto nº 30.106/08, em que o enquadramento para a empresa autuada está expresso em seu artigo 1º, §3º, acima citado.
O contribuinte requereu o seu enquadramento nos ditames normativos deste decreto, sendo este deferido pelo Órgão competente da Secretaria de Estado da Receita. No entanto, houve um equívoco da Repartição Preparadora na notificação expedida ao contribuinte sobre o deferimento, quando esta o enquadrou no artigo 4º, IV, do Decreto nº 30.106/08.
Conforme acima relatado, tal equívoco foi reconhecido pela Repartição Preparadora, e notificado em duas oportunidades, o contribuinte, para recolhimento da diferença do ICMS devido, de forma espontânea, abstendo-se de recolher o que era devido aos cofres públicos, no período em que entendia ter direito de se beneficiar por erro da administração pública.
É cediço que a Administração Pública pode rever seus atos, decretar sua nulidade ou modifica-los, quando eivado de vícios que os tornam ilegais, contrariando o Princípio da Legalidade.
No caso em tela, não pode o contribuinte achar que, por erro da Repartição Preparadora no enquadramento do regime de recolhimento do ICMS, na comercialização de veículos usados, teria direito adquirido, sobrepondo o interesse público, violando o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Particular, que é o pilar do regime jurídico-administrativo.
Vejamos a doutrina do Mestre Hely Lopes Meirelles[2] sobre a matéria em evidência:
“A Administração Pública, como instituição destinada a realizar o Direito e a propiciar o bem comum, não pode agir fora das normas jurídicas e da moral administrativa, nem relegar os fins sociais a que sua ação se dirige. Se, por erro, culpa, dolo ou interesses escusos de seus agentes, a atividade do Poder Público desgarra-se da lei, divorcia-se da moral ou desvia-se do bem comum, é dever da Administração invalidar, espontaneamente ou mediante provocação, o próprio ato, contrário à sua finalidade, por inoportuna, inconveniente, imoral ou ilegal.”
Assim, não restam dúvidas quanto ao dever e à obrigatoriedade da modificação do ato administrativo, em razão da identificação do vício cometido.
É de bom alvitre esclarecer que o ICMS lançado e recolhido pelo contribuinte se encontrava dentro do prazo de homologação pelo Fisco, que é de 5 anos, a contar da ocorrência do fato gerador[3], sob pena de decadência, conforme análise acima, em que foi considerado homologado o recolhimento efetuado pelo contribuinte relativamente ao período de março/2009, e decaído o seu respectivo credito tributário constituído.
Desde a primeira notificação para o recolhimento espontâneo, expedido em 11/5/2011, o contribuinte já tinha conhecimento do equívoco cometido pela Administração Pública, e a não homologação pelo Fisco do ICMS por ele recolhido, bem como a forma correta para recolhimento do imposto na comercialização de veículos usados, e mesmo assim este continuou se locupletando do benefício de recolher a menor o ICMS devido, em detrimento do interesse público.
Nova oportunidade para recolhimento da diferença devida nos períodos anteriores de forma espontânea foi dada pela Administração, com outra notificação em 19/4/2012, fl. 90, não atendido pela recorrente, de forma que agiu correto a fiscalização, lançando de ofício a diferença do imposto devido, nos períodos não alcançados dela decadência tributária.
Esclareço, ainda, que, no meu entender, de forma alguma houve afronta ao Princípio da Segurança Jurídica[4] pretendida pela recorrente, pois não houve transformações ou mudanças de entendimento na forma de recolhimento do ICMS, em relação à comercialização de veículos usados, e o que se difundiu na sociedade sobre a matéria se encontra de forma cristalina no próprio Decreto nº 30.106/08, cuja interpretação não requer maiores exegeses diante da literalidade que se encontra a matéria. O caso em tela se reporta a um equívoco da Repartição Preparadora, de forma particularizada, quanto à indicação do dispositivo normativo em que se enquadrava o contribuinte, que foi corrigido e aberto a oportunidade para recolhimento do imposto recolhido a menor de forma espontânea, o que não foi atendido pelo sujeito passivo.
Portanto, considero correto o lançamento de ofício, ora guerreado, primando pela correta aplicação das normas tributárias, nos limites da lei, em obediência ao Princípio da Legalidade, preservando a supremacia do interesse público sobre o do particular.
Por fim, quanto à alegação do sujeito passivo de que a multa aplicada se apresenta desproporcional e confiscatória, há de se destacar que tanto os Fazendários como os Órgãos Julgadores Administrativos estão adstritos ao que dispõe a lei que trata da matéria, em obediência aos Princípios Constitucionais Tributários da Vinculabilidade e da Legalidade, não cabendo a discricionariedade para a redução das multas pretendida pela Recorrente, pois esta tem que estar disciplinada em lei, que no caso em tela, a penalidade teve por fundamento o art. 82, II, “e”, da Lei nº 6.379/96.
Por todo exposto,
VOTO - pelo recebimento dos recursos hierárquico, por regular, e voluntário, por regular e tempestivo, e quanto ao mérito, pelo desprovimento de ambos, para manter a sentença exarada na instância monocrática, que julgou parcialmente procedente, o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00000321/2014-55, lavrado em 11/3/2014, contra a empresa PROMAC VEÍCULOS MÁQUINAS E ACESSÓRIOS LTDA., CCICMS nº 16.000.554-0, qualificada nos autos, declarando devido o crédito tributário, no montante de R$ 954.924,61 (novecentos e cinquenta e quatro mil, novecentos e vinte e quatro reais e sessenta e um centavos), sendo os valores, de ICMS, R$ 636.616,35 (seiscentos e trinta e seis mil, seiscentos e dezesseis reais e trinta e cinco centavos), por infringência ao artigo art. 106, II, “a”, do RICMS/PB, aprovado pelo Decreto nº 18.930/96, c/c art. 1º, § 3º, do Decreto nº 30.106/2008, e da multa por infração, de R$ 318.308,26 (trezentos e dezoito mil, trezentos e oito reais e vinte e seis centavos), com fulcro no art. 82, II, “e”, da Lei nº 6.379/96.
Ao tempo em que mantenho cancelada,por indevida, a quantia deR$ 25.062,99 (vinte e cinco mil, sessenta e dois reais e noventa e nove centavos), sendo R$ 16.708,66 (dezesseis mil, setecentos e oito reais e sessenta e seis centavos), de ICMS, e R$ 8.354,33 (oito mil, trezentos e cinquenta e quatro reais e trinta e três centavos), de multa por infração.
[1] Lei nº 10.094/2013
Art. 15. As incorreções, omissões ou inexatidões, que não importem nulidade, serão sanadas quando não ocasionarem prejuízo para a defesa do administrado, salvo, se este lhes houver dado causa ou quando influírem na solução do litígio.
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no “caput”, não será declarada a nulidade do auto de infração sob argumento de que a infração foi descrita de forma genérica ou imprecisa, quando não constar da defesa, pedido neste sentido.
Art. 16. Os lançamentos que contiverem vício de forma devem ser considerados nulos, de ofício, pelos Órgãos Julgadores, observado o disposto no art. 15 desta Lei.
Art. 17. Está incluído na hipótese prevista no art. 16 desta Lei, o Auto de Infração lavrado em desacordo com os requisitos obrigatórios estabelecidos no art. 142 do Código Tributário Nacional, quanto:
I - à identificação do sujeito passivo;
II - à descrição dos fatos;
III - à norma legal infringida;
IV - ao nome, ao cargo, ao número de matrícula e à assinatura do autor do feito;
V - ao local, à data e à hora da lavratura;
VI - à intimação para o sujeito passivo pagar, à vista ou parceladamente, ou impugnar a exigência, no prazo de 30 (trinta) dias, contado a partir da data da ciência do lançamento.
[2] In Direito administrativo brasileiro. 21a . ed. São Paulo, Malheiros Editores, 02/1996, p. 183
[3] CTN
Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.
§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.
§ 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
[4] Segurança jurídica, explica Leandro Pausen, “é a qualidade daquilo que está livre de perigo, livre de risco, protegido, acautelado, garantido, do que se pode ter certeza ou, ainda, daquilo que se pode ter confiança, convicção” (Direito Tributário – Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência, 13ª ed., 2011, Livraria do Advogado, p. 914/915).
Tribunal Pleno, Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 31 de janeiro de 2018.
PETRONIO RODRIGUES LIMA
Conselheiro Relator
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