ACÓRDÃO Nº.479/2018
ESTADO DA PARAÍBA
SECRETARIA DE ESTADO DA RECEITA
PROCESSO Nº0543132016-5
TRIBUNAL PLENO
1ªRecorrente:GERÊNCIA EXECUTIVA DE JULGAMENTO DE PROCESSOS FISCAIS-GEJUP
1ªRecorrida:ATACADÃO CENTRAL DISTRIBUIÇÃO E VAREJO LTDA.
2ªRecorrente:ATACADÃO CENTRAL DISTRIBUIÇÃO E VAREJO LTDA.
2ªRecorrida:GERÊNCIA EXECUTIVA DE JULGAMENTO DE PROCESSOS FISCAIS-GEJUP
Repartição Preparadora:SUBGERÊNCIA DA RECEBEDORIA DE RENDAS DA GERÊNCIA REGIONAL DA 4ª REGIÃO
Autuante:ANTONIO GERVAL PEREIRA FURTADO
Relatora:CONS.ª GILVIA DANTAS MACEDO
FALTA DE LANÇAMENTOS DE NOTAS FISCAIS DE AQUISIÇÃO NOS LIVROS PRÓPRIOS. PRESUNÇÃO LEGAL DE OMISSÃO DE VENDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS. INFRAÇÃO CONFIGURADA EM PARTE. EXCLUSÃO DE NOTAS FISCAIS. JULGAMENTO PARCIALMENTE PROCEDENTE. MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA. RECURSOS HIERÁRQUICO E VOLUNTÁRIO DESPROVIDOS.
O que se depreende da dedução lógica inserida no art. 646 do RICMS/PB é que, uma vez realizadas compras sem que as respectivas notas fiscais sejam lançadas nos livros próprios, presume-se que a intenção do contribuinte seria omitir receitas de origem desconhecida, tendo em vista que foram adquiridas através de vendas anteriores sem emissão dos devidos documentos fiscais.
Excluídas as notas fiscais, perfeitamente identificadas conforme previsão legal, cujas mercadorias foram objeto de devolução e aquelas referentes à comercialização anteriormente ao início das atividades operacionais da empresa, impondo-se a corrigenda dos valores lançados de oficio, por ser de justiça.
Vistos, relatados e discutidos os autos deste Processo, etc...
de Recursos Fiscais, à unanimidade, e de acordo com o voto da relatora, pelo recebimento do recurso hierárquico, por regular, e do voluntário, por regular e tempestivo e, quanto ao mérito, pelo desprovimento de ambos, para manter a sentença exarada na instância monocrática, e julgar parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento n° 93300008.09.00000497/2016-79, lavrado em 25/04/2016, contra a empresa ATACADÃO CENTRAL DISTRIBUIÇÃO E VAREJO LTDA., CICMS n° 16.236.906-9, declarando como devido o crédito tributário no valor de R$ 8.124.551,98 (oito milhões, cento e vinte e quatro mil, quinhentos e cinquenta e um reais e noventa e oito centavos), sendo R$ 4.062.275,99 (quatro milhões, sessenta e dois mil, duzentos e setenta e cinco reais e noventa e nove centavos), de ICMS, por infringência aos arts. 158, I; 160, I, c/fulcro no art. 646, do RICMS/PB, aprovado pelo Decreto n° 18.930/97, e R$ 4.062.275,99 (quatro milhões, sessenta e dois mil, duzentos e setenta e cinco reais e noventa e nove centavos), de multa por infração, nos termos do art. 82, V, “f”, da Lei nº 6.379/96, alterada pela Lei nº 10.008/2013.
Ao tempo em que mantem cancelado o montante de R$ 27.928,40 (vinte e sete mil, novecentos e vinte e oito reais e quarenta centavos), sendo R$ 13.964,20 (treze mil, novecentos e sessenta e quatro reais e vinte centavos) de ICMS e R$ 13.964,20 (treze mil, novecentos e sessenta e quatro reais e vinte centavos) de multa por infração, pelos fundamentos anteriormente expostos.
P.R.I
Tribunal Pleno, Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 14 de setembro de 2018.
GÍLVIA DANTAS MACEDO,
Conselheira Relatora
GIANNI CUNHA DA SILVEIRA CAVALCANTE
Presidente
Participaram do presente julgamento os membros do Tribunal Pleno ANÍSIO DE CARVALHO COSTA NETO, DAYSE ANNYEDJA GONÇALVES CHAVES, MAIRA CATÃO DA CUNHA CAVALCANTI SIMÕES, THAIS GUIMARAES TEIXEIRA, MÔNICA OLIVEIRA COELHO DE LEMOS (SUPLENTE), PETRONIO RODRIGUES LIMA e ÁUREA LÚCIA DOS SANTOS SOARES VILAR (SUPLENTE).
Assessor Jurídico
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RELATÓRIO |
Por meio do Auto de Infração de Estabelecimento n° 93300008.09.00000497/2016-79, lavrado em 25/04/2016, contra a empresa ATACADÃO CENTRAL DISTRIBUIÇÃO E VAREJO LTDA., CICMS n° 16.236.906-9, acima qualificada, em razão da seguinte irregularidade verificada nos exercícios de 2014 a 2016:
- FALTA DE LANÇAMENTO DE N. F. DE AQUISIÇÃO NOS LIVROS PRÓPRIOS – Aquisição de mercadorias consignadas em documentos fiscais, com receitas provenientes de omissões de saídas pretéritas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto devido, constatada pela falta de registro de notas fiscais nos livros próprios.
O Representante Fazendário constituiu o crédito tributário na quantia de R$ 8.152.480,38, sendo R$ 4.076.240,19 de ICMS, por infringência aos arts.158, I; 160, I, c/fulcro no art. 646, do RICMS/PB, aprovado pelo Decreto n° 18.930/97 e igual valor de multa por infração, arrimada no art. 82, V, “f”, da Lei n.º 6.379/96.
Juntou documentos, às fls. 05 a 41.
Cientificada da ação fiscal, através de Aviso de Recebimento, recepcionado em 16/05/2016, autuada ingressou tempestivamente com peça reclamatória, em 15/06/2016, conforme se verifica às fls. 46 a 74, ocasião em que requer a improcedência da ação fiscal, alegando:
- obrigatoriedade de lavratura do Termo de Início de Fiscalização, especificando o prazo para conclusão dos trabalhos de fiscalização;
- ausência de cientificação do contribuinte acerca do procedimento de auditoria instaurado;
- prejuízos decorrentes da inexistência do Termo de Início de Fiscalização, pois a fiscalização poderia ter denunciado apenas o descumprimento de obrigação acessória;
- lavratura do Auto de Infração de Estabelecimento n° 93300008.09.00001613/2016-27, tratando da mesma matéria, acusando “documentos omitidos ou divergentes na EFD”;
- presunção de omissão de saídas poderia ter sido afastada pela apresentação de contraprova durante o processo de fiscalização;
- denúncia baseou-se apenas nas omissões de documentos fiscais na EFD, sem análise das informações contábeis, fiscais e financeiras;
- ausência de clareza na apuração da base de cálculo impossibilitou a ampla defesa e o contraditório, além de tornar o crédito tributário ilíquido e incerto;
- fiscalização considerou as notas fiscais referentes às operações destinadas ao consumo e imobilizado da empresa, bem como as aquisições efetuadas antes da concessão da inscrição estadual;
- inclusão das notas fiscais de devolução, emitidas pelo fornecedor das mercadorias;
- ausência de clareza na descrição do fato gerador que acarretou a imposição da acusação;
- aplicação de multa desproporcional e confiscatória.
Colacionou documentos às fls. 75 a 745.
Com informação de não constarem antecedentes fiscais (fl. 746), foram os autos conclusos à Gerência Executiva de Julgamento de Processos Fiscais - GEJUP, ocasião em que o julgador singular – Sidney Watson Fagundes da Silva - em sua decisão, julgou o auto de infração parcialmente procedente (fls. 749 a 766), conforme ementa abaixo transcrita:
NOTAS FISCAIS DE ENTRADA NÃO LANÇADAS – OMISSÃO DE SAÍDAS PRETÉRITAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – DENÚNCIA CONFIGURADA EM PARTE.
- A falta de lançamento de notas fiscais de aquisição nos livros próprios conduz à presunção de omissão de saídas pretéritas de mercadorias tributáveis, sem pagamento do imposto estadual, nos termos do art. 646 do RICMS/PB.
- In casu, a defesa, por meio de provas irrefutáveis, comprovou a inclusão indevida de algumas notas fiscais no levantamento fiscal, reduzindo, ipso facto, o crédito tributário.
Após a decisão prolatada, o valor de crédito tributário fica adstrito ao montante de R$ 8.124.551,98, recorrendo de oficio da decisão para este Conselho de Recursos Fiscais.
Interposto recurso hierárquico e cientificado da sentença singular por meio de AR, cuja ciência resta comprovada à fl. 114, em 04/11/2016, a autuada, através de advogado, protocolou Recurso Voluntário perante este Colegiado, em 05/12/2016, (fls.771 a 803), alegando, preliminarmente, a nulidade do auto de infração, pela ausência de lavratura do Termo de Início de Fiscalização, pela recusa do Fisco de realizar perícia contábil para averiguar a inexistência de omissão de saídas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto e pela inobservância aos princípios constitucionais da Razoabilidade, Proporcionalidade, Capacidade Contributiva e Não-Confisco.
No mérito, pugnou pela reforma da decisão de primeira instância, para que o Auto de Infração de Estabelecimento seja julgado improcedente por este colegiado, arguindo a necessidade de busca pela verdade material dos fatos e da ausência de oportunidade para apresentação de provas que afastem a acusação imposta.
Por fim, requer a intimação do patrono constituído por procuração, no endereço Rua São Damião, 245, Juazeiro do Norte, Ceará, sob pena de lesão aos princípios da Ampla Defesa e do Contraditório.
Aportados os autos nesta Corte Julgadora, estes foram distribuídos a esta relatoria, segundo critério regimentalmente previsto, para o fim de apreciação e julgamento da matéria de que dispõem.
EIS O RELATÓRIO.
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Em exame neste Colegiado, os recursos hierárquico e voluntário, nos moldes dos artigos 77 e 80 da Lei nº 10.094/2013, contra decisão de primeira instância que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento n° 93300008.09.00000497/2016-79, contra a empresa em epígrafe, com exigência do crédito tributário anteriormente relatado.
Reconhecemos preambularmente como tempestivo o recurso interposto pelo contribuinte, apresentado dentro do prazo legal estabelecido no art. 67, da Lei nº 10.094/13.
De início, é importante discorrer acerca da verificação dos aspectos de natureza formal do auto infracional. Com efeito, sabe-se que um ato administrativo poderá ser anulado quando ilegal ou ilegítimo. O libelo acusatório trouxe devidamente a indicação da pessoa do infrator, a natureza da infração, não existindo incorreções capazes de provocar a nulidade, por vício formal, na autuação, conforme se aduz dos artigos 15, 16 e 17, abaixo transcritos, da Lei nº 10.094, de 27 de setembro de 2013, DOE de 28.09.13:
Art. 15. As incorreções, omissões ou inexatidões, que não importem nulidade, serão sanadas quando não ocasionarem prejuízo para a defesa do administrado, salvo, se este lhes houver dado causa ou quando influírem na solução do litígio.
Parágrafo único. Sem prejuízo do disposto no “caput”, não será declarada a nulidade do auto de infração sob argumento de que a infração foi descrita de forma genérica ou imprecisa, quando não constar da defesa, pedido neste sentido.
Art. 16. Os lançamentos que contiverem vício de forma devem ser considerados nulos, de ofício, pelos Órgãos Julgadores, observado o disposto no art. 15 desta Lei.
Art. 17. Está incluído na hipótese prevista no art. 16 desta Lei, o Auto de Infração lavrado em desacordo com os requisitos obrigatórios estabelecidos no art. 142 do Código Tributário Nacional, quanto:
I - à identificação do sujeito passivo;
II - à descrição dos fatos;
III - à norma legal infringida;
IV - ao nome, ao cargo, ao número de matrícula e à assinatura do autor do feito;
V - ao local, à data e à hora da lavratura;
VI - à intimação para o sujeito passivo pagar, à vista ou parceladamente, ou impugnar a exigência, no prazo de 30 (trinta) dias, contado a partir da data da ciência do lançamento.
Assim, reitero que a lavratura do Auto de Infração atende aos requisitos formais, essenciais à sua validade, visto que são trazidos de forma particularizada todos os dispositivos legais aplicáveis à matéria objeto dessa lide, e ainda, foi ofertada a ora recorrente oportunidade para o exercício da ampla defesa, do contraditório, e do devido processo legal administrativo, portanto, não há motivação para declaração de nulidade do auto de infração em tela.
Questiona a recorrente, em suas alegações preliminares, a ausência do Termo de Início de Fiscalização, ferindo o instituto da espontaneidade e violando o princípio da presunção de Inocência.
Aqui cabe-nos esclarecer que o procedimento de fiscalização que resultou na lavratura do presente auto de infração foi motivado pela abertura da Ordem de Serviço Simplificada nº 93300008.12.00001613/2016-27, por meio da qual fora designado o auditor fiscal ANTONIO GERVAL PEREIRA FURTADO, matrícula nº 145.922-8, para “analisar documentos fiscais omitidos na escrituração fiscal digital exercícios 2014 a 2016 e proceder lançamento do crédito tributário decorrente. observar as orientações do procedimento operacional padrão”.
Em cumprimento ao disposto na referida Ordem de Serviço Simplificada, assim laborou o representante fazendário, sem que, para tanto, fosse necessário dar ciência ao contribuinte, haja vista a prescindibilidade de requisitar a apresentação de quaisquer livros ou documentos, uma vez que todos os dados necessários e suficientes para a realização dos trabalhos encontram-se na base de dados da Secretaria de Estado da Receita da Paraíba, a saber: notas fiscais eletrônicas e arquivos EFD do contribuinte.
Assim, necessário se faz observarmos que não houve a lavratura de Termo de Início de Fiscalização[1], dando ciência ao contribuinte do procedimento de auditoria instaurado, o que em nada prejudicou o direito à ampla defesa e ao contraditório da recorrente.
Ao contribuinte não se restringiu o seu direito de defesa, fato este comprovado com a apresentação de sua peça impugnatória e do recurso voluntário interposto no Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba, por meio dos quais pôde apresentar todos os argumentos e provas que julgou necessários.
Admitir-se que o auditor fiscal está obrigado a dar ciência aos contribuintes de que detectou irregularidades passíveis de autuação, seria o mesmo que solicitar um “de acordo” da empresa para assim proceder.
As atribuições do auditor fiscal tributário estadual estão disciplinadas no artigo 9º da Lei nº 8.427, de 10 de dezembro de 2007:
Art. 9º O Auditor Fiscal Tributário Estadual tem como atribuições a tributação, a arrecadação e a fiscalização das receitas tributárias estaduais, nas atividades de estabelecimento e de mercadoria em trânsito, em qualquer fase, inclusive a documentação que lhes é respectiva, correlatas às atribuições do cargo.
Quanto às suas prerrogativas, o disciplinamento encontra-se no artigo 33 do mesmo diploma legal.
Art. 33. Sem prejuízo dos direitos que a Lei assegura ao servidor em geral, são prerrogativas dos integrantes do Grupo Servidores Fiscais Tributários da SER:
(...)
V – proceder à constituição do crédito tributário, mediante lançamento;
VI – iniciar e concluir a ação fiscal;
VII – possuir fé pública no desempenho de suas atribuições funcionais;
Ainda discorrendo acerca do tema, com a devida vênia, entendemos que o legislador, ao incluir o inciso III no artigo 37 da Lei nº 10.094/13, não o fez em consonância com a melhor técnica legislativa. Senão vejamos.
Art. 37. Considerar-se-á iniciado o procedimento fiscal para apuração das infrações à legislação tributária:
I - com a lavratura do termo de início de fiscalização;
II - com a lavratura do termo de apreensão de mercadorias e documentos fiscais ou de intimação para sua apresentação;
III - com a lavratura de Auto de Infração ou de Representação Fiscal, inclusive na modalidade eletrônica;
IV - com qualquer outro ato escrito por auditor fiscal, próprio de sua atividade funcional específica, a partir de quando o fiscalizado for cientificado.
Com efeito, a lavratura de Auto de Infração ou de Representação Fiscal não se caracteriza como início de procedimento para apuração de infrações à legislação tributária. Ao contrário, trata-se de ato de competência exclusiva do auditor fiscal por meio do qual efetua o lançamento tributário como consequência de haver constatado suposta violação à legislação tributária.
Na busca pela aplicação da legislação tributária estadual ao caso concreto e no intuito de alcançar a justiça fiscal, o exegeta deve se valer da interpretação teleológica, isto é, encontrar a ratio legis ou intento legis para se chegar a um significado coerente.
Neste diapasão, como inexiste hierarquia entre os incisos dispostos no artigo 37 da Lei nº 10.094/13, resta evidente que a ausência de Termo de Início de Fiscalização não afeta as demais situações descritas nos incisos II, III e IV.
Ratificando este entendimento, observemos o que estatui o artigo 642, § 1º, do RICMS/PB:
Art. 642. A fiscalização lavrará termo destinado a documentar o dia e a hora do início do procedimento, bem como os atos e termos necessários à demonstração do resultado da ação fiscal.
§ 1º Para efeitos do disposto no “caput”, deverão, também, ser observadas as disposições contidas no art. 37 da Lei nº 10.094, de 27 de setembro de 2013.
Assim, tem-se como evidente que o disciplinamento do artigo acima transcrito não contempla interpretação restritiva, uma vez que supriu a obrigatoriedade de emissão de Termo de Início, desde que observadas as disposições contidas no artigo 37 da Lei nº 10.094/13.
Como visto, o inciso III do artigo 37 da Lei nº 10.094/13 encontra-se em plena vigência e, como tal, produzindo seus efeitos.
Ainda em preliminar, a recorrente alega que não lhe foi dada a oportunidade de se defender a contento, arguindo a crucial importância da realização de perícia contábil para demonstração da inocorrência da presunção de omissão de saídas.
Analisando minuciosamente as provas trazidas pela defesa, tanto na apresentação da reclamação quanto do recurso voluntário interposto perante este colegiado, não vislumbro tal necessidade.
Cabe observar que, nas oportunidades de apresentação de defesa, concedidas em cumprimento ao disposto na legislação tributária, o contribuinte trouxe aos autos cópia dos livros Registro de Entradas e Registro de Apuração de ICMS, notas fiscais eletrônicas e partes da Escrituração Fiscal Digital – EFD, dos períodos autuados, além disso, os fatos levantados pela auditoria estão baseados nas informações prestadas pelo próprio contribuinte, portanto, não são convincentes os proclames da recursante, destacando a necessidade de realização de diligência para validar a liquidez e certeza do crédito tributário apurado pela fiscalização, tendo em vista que os pontos contestados pela autuada estão claramente dispostos nos autos, sendo suficientes para a elucidação da controvérsia, tornando, assim, desnecessária a realização de diligência ou perícia para identificá-los.
No que diz respeito ao valor do crédito tributário exigido no presente auto de infração, compõe-se o mesmo do ICMS, não recolhido pela recorrente, face à ausência de declaração dos documentos fiscais, no valor de R$ 4.076.240,19 e igual valor de multa por infração, totalizando a quantia de R$ 8.152.480,38, apontada pela recorrente, como de cunho confiscatório por atentar aos princípios da Razoabilidade, Proporcionalidade e Capacidade Contributiva, veremos que não há sustentação para essas alegações pelos motivos a seguir expostos.
É cediço que a nossa Constituição Federal de 1988 trata do princípio de vedação ao confisco, dos tributos, no art. 150, IV. In verbis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
(...)
IV – utilizar tributo com efeito de confisco; (g.n.)
Neste norte, em que pese as multas, assim como os tributos, figurarem no campo das receitas derivadas do estado, por constituírem exploração do patrimônio do particular, com eles não se confundem, conforme definição de tributo extraída do artigo 3° do C.T.N. (Lei nº5.172/66), abaixo reproduzido:
Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. (g.n.)
Como se observa, as penalidades pecuniárias não têm fito arrecadatório e sua gradação varia conforme a gravidade da infração praticada, quanto mais grave for o ato, maior deverá ser a penalidade aplicada. Sendo inerente aos poderes de império e de polícia do Estado, no dever de coibir práticas ilegais e lesivas aos cofres públicos. Deste modo, não se vislumbra qualquer irregularidade no quantum da multa proposta na peça vestibular.
Além disso, os fazendários atuaram nos limites da Lei n° 6.379/96 (Lei do ICMS da Paraíba), da Lei n° 10.094/2013(Lei do PAT) e do RICMS/PB (aprovado pelo Decreto n° 18.930/97), que são instrumentos normativos que devem ser observados. Ao propor uma multa, o fazendário toma por base as determinações desses dispositivos legais. Desrespeitá-los consistiria numa ilegalidade, que não comporta lugar no ordenamento jurídico-administrativo paraibano.
Por fim, concordo com o posicionamento exarado pelo julgador singular, porquanto não cabe aos Tribunais Administrativos adentrar na análise da inconstitucionalidade, visto se tratar de determinação legal, o que importaria em violação ao art. 55, da Lei n° 10.094/2013.
Por essas razões, rejeito as preliminares invocadas para declarar a validade do lançamento de ofício em tela.
Adentrando no mérito, pela matéria tratada no relato acima, está em discussão uma situação em que o contribuinte omitiu o registro de notas fiscais de aquisição de mercadorias, cuja infração autorizou ao entendimento de que as mercadorias foram adquiridas com receitas marginais resultantes de vendas pretéritas irregulares, durante o exercício de 2014 a 2016.
A saber, a emissão da nota fiscal carreia para o contribuinte destinatário a obrigatoriedade do seu lançamento no livro próprio para controle de suas operações subsequentes. Uma vez constatada a falta de registro da entrada de nota fiscal emitida em nome do adquirente, impõe-se a transferência do ônus da prova negativa de aquisição para o contribuinte, tendo em vista a presunção de que mercadorias foram vendidas sem o recolhimento do imposto devido.
Trata-se de uma presunção legal, tendo seu fulcro no art. 646 do RICMS/PB, conforme se vê pela redação a seguir:
Art. 646. Autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou a realização de prestações de serviços tributáveis sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção:
I – o fato de a escrituração indicar:
a) insuficiência de caixa;
b) suprimentos a caixa ou a bancos, não comprovados;
II – a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes;
III – qualquer desembolso não registrado no Caixa;
IV – a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas;
V – declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito.
Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, bem como, a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados , quando da transferência ou venda, conforme o caso. (g.n.)
Pois bem. É de bom alvitre esclarecer, que a obrigatoriedade de escrituração no Livro Registro de Entradas envolve todos os registros de entrada de mercadorias, tributadas ou não, com a qual o contribuinte transacione em determinado período, de acordo com o que estabelece o art. 276, c/c art. 166-U, do RICMS:
Art. 276. O Registro de Entradas, modelos 1 ou 1-A, Anexos 24 e 25, destina-se à escrituração do movimento de entradas de mercadorias, a qualquer título, no estabelecimento e de utilização de serviços de transporte e de comunicação. (g.n.)
Art. 166-U. Em relação ao DANFE e à NF-e, aplicam-se, no que couber, as normas previstas para os demais documentos fiscais.
Da parte grifada do texto se extrai que a obrigatoriedade se estende a qualquer tipo de aquisição, tributadas ou não. A entrada de mercadoria no estabelecimento, qualquer que seja, nasce a obrigação do lançamento da nota fiscal respectiva no Livro Registro de Entradas. Do contrário, a legislação tributária autoriza a presunção de que trata o artigo 646, acima destacado, de omissão de vendas pretéritas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto, desde que, por óbvio, tenha havido dispêndio financeiro nas referidas aquisições. O citado dispositivo acompanha o que determina a Lei nº 6.379/96, no parágrafo 8º do seu artigo 3º.
Ressalte-se, o que se está tributando é o valor das saídas de mercadorias tributáveis omitidas em etapa anterior e cujas receitas auferidas serviram de esteio para o pagamento das aquisições, em que as entradas não foram registradas, o que repercute em violação aos arts. 158, I e 160, I, do RICMS/PB, abaixo reproduzidos:
Art. 158. Os contribuintes, excetuados os produtores agropecuários, emitirão Nota Fiscal, modelos 1 ou 1-A, Anexos 15 e 16:
I – sempre que promoverem saída de mercadorias;
(...)
Art. 160. A nota fiscal será emitida:
I – antes de iniciada a saída de mercadorias.
É bem verdade que se trata de uma presunção relativa, cuja negativa de punibilidade está a cargo do sujeito passivo, tendo em vista que é o senhor da intimidade da empresa.
In casu, na oportunidade da defesa na instância prima, vê-se que a reclamante alegou que apenas iniciou suas atividades em 30/07/2014, pedindo o cancelamento do crédito tributário, referente aos períodos de maio a julho de 2014, o qual foi afastado pelo julgador da instância prima, acatando o argumento da defesa.
Concordando com o posicionamento exarado, manterei o ajuste promovido por entender que não há como se manter a acusação de omissão de saídas pretéritas para período anterior ao início das atividades comerciais da empresa.
Com relação às mercadorias, objeto de devolução, o julgador singular efetuou os devidos ajustes no valor do crédito tributário, excluindo tais notas fiscais.
Verificando tratar-se de devolução de mercadorias, cuja operação foi comprovadamente demonstrada nos autos, através de documentos fiscais, manteremos os ajustes por corroborar com o entendimento exarado na Primeira Instância, excluindo o crédito tributário, referente às notas fiscais relacionadas à fl. 764, dos autos.
Após analisar o caderno processual, hei de concluir que a sentença da primeira instância de julgamento está correta, uma vez que a ação fiscal tem respaldo nos dispositivos de lei supracitados, e nos próprios lançamentos realizados pela autuada em sua escrita, daí porque mantenho a decisão singular, caso em que estou desprovendo os recursos hierárquico e voluntário.
Este é o meu entendimento.
VOTO pelo recebimento do recurso hierárquico, por regular, e do voluntário, por regular e tempestivo e, quanto ao mérito, pelo desprovimento de ambos, para manter a sentença exarada na instância monocrática, e julgar parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento n° 93300008.09.00000497/2016-79, lavrado em 25/04/2016, contra a empresa ATACADÃO CENTRAL DISTRIBUIÇÃO E VAREJO LTDA., CICMS n° 16.236.906-9, declarando como devido o crédito tributário no valor de R$ 8.124.551,98 (oito milhões, cento e vinte e quatro mil, quinhentos e cinquenta e um reais e noventa e oito centavos), sendo R$ 4.062.275,99 (quatro milhões, sessenta e dois mil, duzentos e setenta e cinco reais e noventa e nove centavos), de ICMS, por infringência aos arts. 158, I; 160, I, c/fulcro no art. 646, do RICMS/PB, aprovado pelo Decreto n° 18.930/97, e R$ 4.062.275,99 (quatro milhões, sessenta e dois mil, duzentos e setenta e cinco reais e noventa e nove centavos), de multa por infração, nos termos do art. 82, V, “f”, da Lei nº 6.379/96, alterada pela Lei nº 10.008/2013.
Ao tempo em que mantenho cancelado o montante de R$ 27.928,40 (vinte e sete mil, novecentos e vinte e oito reais e quarenta centavos), sendo R$ 13.964,20 (treze mil, novecentos e sessenta e quatro reais e vinte centavos) de ICMS e R$ 13.964,20 (treze mil, novecentos e sessenta e quatro reais e vinte centavos) de multa por infração, pelos fundamentos anteriormente expostos.
Tribunal Pleno, Sala das Sessões, Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 14 de setembro de 2018.
Gílvia Dantas Macedo
Conselheira Relatora
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