ACÓRDÃO Nº. 253/2019
ESTADO DA PARAÍBA
SECRETARIA DE ESTADO DA RECEITA
PROCESSO Nº 1571432014-0
ACÓRDÃO Nº. 253/2019
PRIMEIRA CÂMARA DE JULGAMENTO
Recorrente: JOSÉ FRANCISCO DE SOUSA
Recorrida: GERÊNCIA EXECUTIVA DE JULGAMENTO DE PROCESSOS FISCAIS - GEJUP
Repartição Preparadora: COLETORIA ESTADUAL DE PRIMEIRA CLASSE - CAJAZEIRAS
Autuante: FRANCINEIDE PEREIRA VIEIRA
Relator: CONS.º ANISIO DE CARVALHO COSTA NETO
Relatora Voto Divergente: CONS.ª MÔNICA OLIVEIRA COELHO DE LEMOS
OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS. CONTA MERCADORIAS. INAPLICABILIDADE DA TÉCNICA EM EMPRESAS DO SIMPLES NACIONAL. LEI ESPECIAL AFASTA INCIDÊNCIA DE LEI GERAL PROVA CARREADA AOS AUTOS IMPRESTÁVEIS PARA COMPROVAÇÃO DAS ALEGAÇÕES. LEVANTAMENTO FINANCEIRO. RETIRADAS COM A RUBRICA DE “PRÓ-LABORE” NÃO COMPROVADA. DIVERGÊNCIA NESTE QUESITO. ALTERADOS VALORES DE OFÍCIO. AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO.
Em que pese ser natural que o empresário efetue retiradas do lucro de seu empreendimento a fim de garantir seu sustento, tal conduta não tem condão normativo, sendo perfeitamente viável que os sócios optem, por exemplo, por não efetuarem retiradas da empresa em determinado lapso temporal por estratégia econômica. No caso dos presentes autos, a diferença no levantamento financeiro foi atribuída a retiradas a título de pró-labore, todavia, o contribuinte não produziu prova do que alegou. Portanto, tal arguição não merece acolhimento somente por uma dedução lógica.
Vistos, relatados e discutidos os autos deste Processo, etc...
A C O R D A M os membros da Primeira Câmara de Julgamento deste Conselho de Recursos Fiscais, à maioria e de acordo com o voto da relatora do voto divergente, pelo recebimento do recurso voluntário, por regular e tempestivo, e, no mérito, pelo seu desprovimento, alterando de ofício, quanto aos valores, a sentença prolatada na primeira instância que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº: 93300008.09.00001816/2014-68, lavrado em 9/10/2014, em desfavor da empresa JOSÉ FRANCISO DE SOUSA, inscrição estadual nº: 16.022.217-6, devidamente qualificada nos autos, impondo o ônus desta ação fiscal, imputando-lhe o crédito tributário no valor de R$268.579,94 (duzentos e sessenta e oito mil, quinhentos e setenta e nove reais e noventa e quatro centavos), sendo R$ 134. 289 97 (cento e trinta e quatro mil, duzentos e oitenta e nove reais e noventa e sete centavos) de ICMS, como infringente ao art. 643, § 4º, II, do RICMS, art. 160, art. 158, I; e Art. 646, todos do RICMS e art. 158, I; e Art. 646, parágrafo único todos do RICMS e, igual valor de multa por infração com fulcro no art. 82, V, alíneas “a” e “f” da lei 6.379/96.
Ao tempo em que cancelo o crédito tributário no valor de R$247.716,68 (duzentos e quarenta e sete mil, setecentos e dezessete reais e sessenta e oito centavos), sendo R$123.858,34 (cento e vinte e três mil, oitocentos e cinquenta e oito reais e trinta e quatro centavos) relativos ao ICMS e igual valor referente à multa aplicada.
Intimações necessárias, na forma regulamentar.
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P.R.I
Primeira Câmara de Julgamento, Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 23 de maio de 2019.
MÔNICA OLIVEIRA COELHO DE LEMOS
Conselheira Relatora Divergente
GIANNI CUNHA DA SILVEIRA CAVALCANTE
Presidente
Participaram do presente julgamento os membros da Primeira Câmara de Julgamento, Acompanhando o voto divergente, GILVIA DANTAS MACEDO e THAIS GUIMARÃES TEIXEIRA e com o voto original ANÍSIO DE CARVALHO COSTA NETO.
SANCHA MARIA FORMIGA CAVALCANTE E RODOVALHO DE ALENCAR
Assessora Jurídica
Relatório
Senhora Presidente do Conselho de Recursos Fiscais, Senhores Conselheiros, Senhora Assessora Jurídica e demais serventuários deste Órgão Colegiado.
Em sessão realizada nesta Corte de Justiça Fiscal no dia 21 de março de 2019, foi proferido voto da relatoria do Cons. ANÍSIO DE CARVALHO COSTA NETO que julgou parcialmente procedente Auto de Infração de Estabelecimento de n° 93300008.09.00001813/2014-68, lavrado em 9/10/2014, contendo a seguinte denúncia:
“OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS > Contrariando dispositivos legais, o contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis, resultando na falta de recolhimento do ICMS. Irregularidade esta detectada através de levantamento Conta Mercadorias.”
“NOTA EXPLICATIVA – Contrariando dispositivos legais, o contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis, resultando na falta de recolhimento do ICMS. Irregularidade esta detectada através do levantamento da Conta Mercadorias.”
“OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – LEVANTAMENTO FINANCEIRO > O contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto devido, tendo em vista a constatação de que os pagamentos efetuados superaram as receitas auferidas, irregularidade esta detectada através de Levantamento Financeiro”.
“NOTA EXPLICATIVA > O contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto devido, tendo em vista a constatação de que os pagamentos efetuados superaram as receitas auferidas, irregularidade esta detectada através de levantamento financeiro.”
Da leitura do voto surgiu a decisão da relatoria, conforme disposta na ementa, abaixo:
OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS. CONTA MERCADORIAS. INAPLICABILIDADE. LEI ESPECIAL AFASTA INCIDÊNCIA DE LEI GERAL. LEVANTAMENTO FINANCEIRO. PROVAS CARREADAS AOS AUTOS IMPRESTÁVEIS PARA COMPROVAR ALEGAÇÕES. AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. ALTERADA DE OFÍCIO, QUANTO AOS VALORES, A DECISÃO RECORRIDA. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO.
É ilegal, por afronta aos princípios da Lei n. º 123/06, a imposição da obrigatoriedade de obter lucro bruto de no mínimo 30% do CMV, quando a lei especial estabelece o encerramento da fase de tributação por ocasião do oferecimento das vendas à aplicação da alíquota devida e ao recolhimento do SIMPLES NACIONAL.
É factível considerar, até prova em contrário, que as despesas com honorários, pró-labore e retiradas sejam do cotidiano financeiro das empresas como remuneração dos sócios pelos investimentos e trabalhos realizados.
Trata-se de recurso voluntário, nos moldes do que apregoa o artigo 77 da Lei 10.094/2013, interposto contra decisão de primeira instância que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento n.º 93300008.09.00001813/2014-68 lavrado em 9/10/2014 (fls. 3) em desfavor da empresa JOSÉ FRANCISCO DE SOUSA, inscrição estadual n. º 16.022.217-6, já devidamente qualificada nos autos.
Na acusação, objeto deste processo, a empresa foi autuada por omissão de saídas de mercadorias tributáveis detectada através do Levantamento da Conta Mercadorias e do Levantamento Financeiro, técnicas de fiscalização bastante conhecidas e que tem o escopo de detectar se, no movimento das mercadorias registrado no estabelecimento do fiscalizado, houve, pelo menos, 30% de lucro bruto, abaixo do qual ensejará a presunção já referida, além de verificar os desembolsos e ingressos do movimento financeiro do exercício, com base no qual se extrai base de cálculo do ICMS, em caso de déficit no confronto entre um e outro.
Em princípio, cabe observar que o lançamento fiscal observou, de forma rigorosa, as disposições do art. 142 do CTN, não importando qualquer pretensão de nulidade elencados nos arts. 14, 16 e 17, da Lei nº 10.094/2013 (Lei do PAT), em conformidade com o que segue:
A) DA INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 643, § 4º, II do RICMS ÀS EMPRESAS DO SIMPLES NACIONAL
Em princípio, se devem tecer alguns comentários a respeito da referida técnica contábil. É de notável e largo conhecimento entre os que labutam nos ramos do direito tributário e da contabilidade a referida conta mercadoria, que é técnica de fiscalização que se presta a verificar se o contribuinte de fato atende à legislação do ICMS em vigor, mais especificamente, se apurou lucro bruto com mercadorias tributáveis em percentual mínimo de 30%, caso em que, não ocorrendo, vai refletir na falta de recolhimento do ICMS e na constatação de omissão presumida de saídas de mercadorias tributáveis.
Claro está, contudo, que a referida técnica exclui até a entrada em vigor da Lei N. º 123/06, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, as empresas que declaram seus resultados com base no lucro real, aplicando-se, assim, apenas àquelas que apuram seus resultados com base no lucro presumido, conforme já largamente conhecido dos operadores do Direito.
A empresa autuada estava enquadrada no regime especial do SIMPLES NACIONAL, conforme dados cadastrais do contribuinte, anexados ao processo, até o dia 1/1/2015, quando foi excluída, ex officio, em 15/1/2015 com efeitos retroativos ao dia 1º daquele exercício como se pode consultar do histórico do contribuinte no seu cadastro no sistema ATF.
Assim sendo, quando por ocasião dos fatos geradores ocorridos em 2009, 2010 e 2011, objeto da autuação, a empresa era contribuinte dos impostos previstos no Sistema Tributário Nacional sob o auspício das dicções normativas exaradas pela Lei 123/06, referente ao SIMPLES NACIONAL.
Sendo assim, o levantamento da Conta Mercadorias é técnica de fiscalização simplória, a vislumbrar, para os casos em que a legislação o prevê, omissão de saídas tributáveis – por presunção - decorrente da aplicação do disposto no artigo 646, e em consonância com o que estabelece o inciso II, do parágrafo 4º do artigo 643, que obriga o contribuinte que apura o resultado com base no lucro presumido a superávit nunca inferior a 30%, in verbis:
Art. 643. No interesse da Fazenda Estadual, será procedido exame nas escritas fiscal e contábil das pessoas sujeitas à fiscalização, especialmente no que tange à exatidão dos lançamentos e recolhimento do imposto, consoante as operações de cada exercício.
[...]
§ 4º Para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couberem, os procedimentos abaixo, dentre outros, cujas repercussões são acolhidas por este Regulamento:
[...]
II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24.
Assim, a aplicação do dispositivo destacado em combinação com o que preceitua o artigo 646, faz alvorecer a presunção de omissão de saídas em decorrência da não observância do percentual mínimo de lucro bruto imposto na legislação do ICMS em vigor no estado:
Art. 646. Autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou a realização de prestações de serviços tributáveis sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção:
I – o fato de a escrituração indicar:
a) insuficiência de caixa;
b) suprimentos a caixa ou a bancos, não comprovados;
II – a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes;
III – qualquer desembolso não registrado no Caixa;
IV – a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas;
V – declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito.
Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, bem como, a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados , quando da transferência ou venda, conforme o caso. (destaque nosso)
É uma posição que se sustenta em vastos julgados do Conselho de Recursos Fiscais, a exemplo do acórdão n.º 684/2018, exarado por esta corte de julgamento colegiado em 27/12/2018:
FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS. OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS. CONTA MERCADORIAS. LEVANTAMENTO FINANCEIRO. SIMPLES NACIONAL. MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA. AUTO DE INFRAÇÃO PROCEDENTE. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO.
As diferenças apuradas em Conta Mercadorias e Levantamento Financeiro denunciam omissão de saídas tributáveis sem o pagamento do imposto, conforme presunção contida na legislação de regência.
Ressalte-se, neste caso, a ressalva da parte final do caput do artigo 646, que coloca à disposição do contribuinte, de forma categórica e explícita, a prova da improcedência da acusação, que, em consonância com o princípio da ampla defesa e do contraditório, foi oportunidade aproveitada pelo contribuinte, que alegou tudo aquilo que quis. E nesse ponto, ressalte-se que a condição de SIMPLES NACIONAL do contribuinte autuado se prova desde quando fez sua opção pelo especial regime (Anexo 01), condição que foi mantida até 2015, quando foi excluído ex officio.
Ocorre que, no plano do direito, são as alegações que emprestam força ao debate que se estabelece no litígio, mas no plano dos fatos, as provas são elementos incontestáveis a emprestar força às considerações feitas ao longo do processo que se desenrola, de forma litigiosa, no âmbito da querela administrativa.
Em primeira análise, em relação à inaplicabilidade do levantamento da Conta Mercadorias para contribuintes enquadrados no sistema do SIMPLES NACIONAL, me parece bastante razoável e sedutora a tese e merece algumas considerações, ousando discordar das argumentações do insigne julgador de primeiro grau, mesmo que a isso não tenha se referido o contribuinte nem em sua reclamação e nem em seu recurso. Por dever de ofício, entretanto, pesa sobre os ombros desta relatoria a oportunidade de se praticar Justiça Fiscal.
A sedução a tal entendimento, tal como prolatado no parágrafo anterior, aparece em função de princípio aplicável plenamente ao ambiente tributário: O princípio da especialidade, que revela que a norma especial afasta a incidência da norma geral - Lex Specialis Derrogat Legi Generali. Consideramos a norma especial quando contiver os elementos de outra (geral) e acrescentar pormenores.
Assim, quando não ocorrer o crepúsculo de uma omissão real – afastadas as presunções - capaz de impedir a interpretação a respeito da incidência do tributo sobre os fatos geradores, nenhuma outra norma pode convergir para esses fatos que não a especial, a regulamentar a relação obrigacional que se estabelece entre as empresas enquadradas no SIMPLES NACIONAL e o Estado, representado pelos seus entes federados: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
E entenda-se que todos os entes representativos da nossa Federação foram citados a propósito de que a legislação especial – Lei n. º 123/06 – passa a discorrer sobre todas as obrigações tributárias das empresas do sistema, afastando, assim, naquilo que não for omissa, a aplicação das normais gerais relativas às demais empresas/contribuintes dos impostos previstos na nossa Constituição, especialmente naqueles que discorre a Carta Magna no seu Título VI – Da Tributação e Orçamento.
Aliás, não é preciso discorrer fartamente sobre as decisões desse Conselho de Recursos Fiscais para chegar à conclusão que é quase unânime o entendimento da preponderância da lei especial sobre a geral, a exemplo do Acórdão n. º 050/20l8, da lavra da Conselheira Maria das Graças D. de Oliveira Lima, do qual extraio excerto:
“Com efeito, diz-se especial a norma que contém os elementos de outra (geral) e acrescenta pormenores. Ex.: ao tipo adiciona outros dados, como sujeito ativo, sujeito passivo, as circunstâncias temporais, etc. Casos em que a norma preponderante será a especial, nos termos do Princípio da Especialidade, segundo o qual a norma especial afasta a incidência da norma geral (Lex Specialis Derrogat Legi Generali).” (grifo nosso)
Nesse diapasão, é coerente o entendimento que a Lei n. º 123/06 é especial, sendo a geral, para os contribuintes do ICMS da Paraíba, o Decreto n. º 18.930/97, que estabelece de forma minudente, as diretrizes para a tributação, fiscalização e arrecadação do tributo no território paraibano.
Sendo assim, não é antijurídico interpretar que é a Lei n.º 123/06 que estabelece as diretrizes da tributação, arrecadação e fiscalização das empresas enquadradas no sistema do SIMPLES NACIONAL, assim como ocorre para o contribuinte, que provou sua adesão ao regime especial no Anexo 01.
Cumpre-nos estabelecer que, mesmo não tendo sido alegado pelo contribuinte, suas obrigações se encerram a partir do recolhimento, desde que não tenha omitido quaisquer saídas de mercadorias/prestações de serviço, do valor apurado para o SIMPLES NACIONAL. Com ele – o recolhimento – o contribuinte encerra a fase de tributação tanto para a União, quanto para o Estado, Município e Distrito Federal, se for o caso, na forma em se estabelece na Lei n. º 123/06, mais especificamente nos artigo 1º, inciso I:
Art.1o Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:
I - à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias;
Como esposado, o referido inciso é clarividente, ao estabelecer que as obrigações dos contribuintes enquadrados no sistema especial se esgotam a partir do recolhimento do SIMPLES NACIONAL, a partir do qual se encerra a fase de tributação tanto para os tributos de caráter federal, quanto estadual, municipal e do Distrito Federal, quando for o caso, “mediante regime único de arrecadação”, assim como disposto no destacado inciso. Então COMO IMPOR CONDUTA ANTIJURÍDICA AO CONTRIBUINTE QUE SE CONDUZIU AOS MANDAMENTOS DA PRÓPRIA LEI?
Nesse sentido, tendo encerrado a fase de tributação para todos os entes federados, me parece bastante execrável exigir uma obrigação disposta na lei geral – Decreto n. º 18.930/97 – quando na lei especial, que afasta a incidência da geral, não há qualquer disposição normativa obrigando o contribuinte a apresentar lucro bruto igual ou superior a 30%. Aliás, se deve ter em mente que a previsão contida no indigitado artigo 643, para além de uma PRESUNÇÃO, TRATA-SE, DE FATO, DE UMA FICÇÃO. Daquelas que se devem considerar mais horrendas.
Ora, como atribuir uma acusação de sonegação a quem, no exercício de sua atividade empresarial, não obteve lucro bruto de 30%? Numa economia de mercado, como a que se estabelece no panorama dos negócios no Brasil, quem estabelece o lucro é a concorrência, é o mercado, de olho nos custos, em primeira análise. E, mais tosco do que se cobrar imposto com base no malfadado levantamento da conta mercadoria, o contribuinte ainda vai ter o ônus de ter que se defender no âmbito da Justiça Criminal e provar ao juiz que está sendo acusado de cometer crime porque simplesmente não obteve lucratividade superior a 30% do Custo das Mercadorias Vendidas. Nada mais bizarro!
E, diga-se de passagem, há, na Lei n. º 123/06, apenas uma passagem que se refere à exigência de lucro bruto, mesmo assim de forma “transversa”. E estou aqui a me referir ao inciso X, do artigo 29, do referido diploma. Mesmo assim, a norma destacada se refere à exigência como pressuposto para exclusão de ofício do SIMPLES NACIONAL, mas nunca como parâmetro de exigência de tributo de qualquer natureza, senão vejamos:
Art. 29. A exclusão de ofício das empresas optantes pelo Simples Nacional dar-se-á quando:
[...]
X - for constatado que durante o ano-calendário o valor das aquisições de mercadorias para comercialização ou industrialização, ressalvadas hipóteses justificadas de aumento de estoque, for superior a 80% (oitenta por cento) dos ingressos de recursos no mesmo período, excluído o ano de início de atividade;
Dessa forma, percebe-se, sem grande esforço intelectivo, que a única menção à necessidade de se estabelecer qualquer relação de lucratividade para as empresas do SIMPLES NACIONAL está insculpida na referida norma – atentando-se que em proporção diferente da prevista no decreto 18.930/97 – e, ainda assim, para efeito de exclusão do contribuinte do sistema nacional.
Com base nesses argumentos, seria de se esperar que, a Administração Fazendária, em primeiro plano, excluísse os contribuintes do SIMPLES NACIONAL, sempre que ocorresse o fato descrito na norma destacada, para, em exercício posterior, pudesse exigir dos contribuintes excluídos – agora enquadrados no sistema comum de tributação, fiscalização e arrecadação previsto na legislação tributária paraibana (Decreto n. º 18.930/97) – as disposições do artigo 643, § 4º, II, do RICMS/PB, ocasião em que seriam perfeitamente aplicáveis as disposições referentes à conta Mercadoria, com a exigência de lucro bruto nunca inferior a 30%.
Nessa medida, entendo que a exigência de auferir lucro bruto de 30%, além de execrável, espalhando, sobre o ambiente tributário do Estado, uma boa e sonora dose de insegurança jurídica, é absolutamente ilegal para as empresas do SIMPLES NACIONAL, para as quais foi imposta a obrigação, somente, de oferecer suas saídas/vendas à tributação para sobre elas aplicar a alíquota do SIMPLES NACIONAL cabível, encerrando, sem possibilidade de qualquer outra exigência, sua fase de tributação.
Ora, se a vigência da lei especial afasta a incidência da lei geral, como esperar que os contribuintes do SIMPLES NACIONAL, a quem foi dado o direito de usufruir das disposições da lei especial, onde não consta qualquer exigência de obter lucro bruto naquele percentual, venha a observar as disposições da lei geral, especialmente no que tange as obrigações de recolher tributo, quando na lei especial fica prevista o recolhimento unificado o regime de arrecadação de impostos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios? A cobrança é um ato atentatório ao sistema, ameaçando de forma impulsiva a simplificação que por décadas foi luta das associações de classe empresarial em relação aos contribuintes hipossuficientes.
E, em relação à inaplicabilidade da técnica fiscal, deve-se chamar atenção para mais um fato bastante relevante a apoiar o relatório: que estamos diante de antinomia que coloca frente a frente uma Lei Complementar de aplicação em todo o território brasileiro (Lei n. º 123/06) com um decreto estadual que vigora apenas no território paraibano (Decreto n. º 18.930/97). Senhores deste Conselho, quem deve se sobrepor no contexto da LEI COMPLEMENTAR VERSUS DECRETO ESTADUAL?
E para a apoiar as considerações que aqui introduzo, me remeto às disposições do art. 97 do Código Tributário Nacional (CTN) do qual se extrai a conclusão de que apenas a lei é instrumento necessário à criação de obrigação de natureza tributária, jamais decreto:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.
§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.
Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.
Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei. (grifo nosso)
Assim, me parece bastante desarrazoada a exigência, muito mais ainda a cobrança de tributo através do referido levantamento. E, malgrado a primariedade do referido levantamento, entendo que, somente para aqueles contribuintes, cuja desídia sobre os seus negócios exsurge pela resistência em apurar seus resultados pelo lucro real possa se aplicar os paradigmas do artigo 643. A NINGUÉM MAIS. Por isso, resta afastado todo o crédito levantado pela fiscalização relativo a referido Levantamento da Conta Mercadorias.
Com o fito de encerrar as discussões a respeito das teses que se consubstanciam em favor da aplicação da referida técnica, é preciso considerar alguns aspectos dos artigod 13, XVIII, “f” e 34, da Lei n. º 123/06 in verbis:
Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
[...]
XIII - ICMS devido:
[...]
f) na operação ou prestação desacobertada de documento fiscal;
Art. 34. Aplicam-se à microempresa e à empresa de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional todas as presunções de omissão de receita existentes nas legislações de regência dos impostos e contribuições incluídos no Simples Nacional.
Não há dúvidas de que em situação de omissão, em que fique caracterizado a falta de emissão de documentos fiscais nas operações em que o ato seja exigido, haverá ICMS a ser recolhido. E recolhido sob os ditames das legislação prevista para os demais contribuinte não incluídos no Simples Nacional, sob pena de se ver prosperar o brocardo nemo auditur propriam turpitudinem allegans (ninguém pode se beneficiar da própria torpeza). Seria impensável imaginar, portanto, que diante da omissão de receita, na tentativa de se imiscuir de pagar o imposto devido, o contribuinte pudesse ainda se beneficiar da legislação que o favorece em relação aos demais contribuintes do imposto.
Mas o que se quer discutir aqui é outra coisa. Diz respeito à possibilidade, ou não, de se aplicar as técnicas de que se vale a fiscalização para se detectar fato gerador do imposto, com a respectiva cobrança do crédito tributário através do lançamento de ofício, especialmente naquelas que são alvissareiras em detectar omissão de saídas de mercadorias tributáveis sem o recolhimento do imposto a partir das presunções legais.
No que concerne às presunções, está muito bem estabelecido de que são aplicáveis às empresas enquadradas no Simples Nacional, assim como se estabelece no artigo 34 da Lei n. º 123/06. Disso não resplandece qualquer dúvida. A questão central é a respeito daquela presunção que nasce a partir da aplicação da técnica do Levantamento da Conta Mercadoria.
Não é sem razão que podemos perceber que, somente a partir da aplicação da exigência contida no artigo 643, do RICMS/PB, é que surge a diferença tributável. Jamais sem ela. Portanto, até a utilização da técnica, o contribuinte do Simples Nacional, para o qual não há referida previsão da obrigação na legislação especial, se mantém em absoluto estado de juridicidade, não podendo recair sobre ele qualquer pretensão de cobrança de tributo com base na referida técnica, já que não há previsão legal.
De outro ponto, é preciso esclarecer que o citado artigo 34 da Lei Especial faz referência expressa às presunções. E as presunções são as de omissão de saídas que se apuram a partir das técnicas. Não são as técnicas de fiscalização que se aplicam. Não é a isso que a norma se refere. E não havendo previsão para que o contribuinte esteja obrigado a apresentar Lucro Bruto de 30% em relação ao CMV, a técnica não é aplicável, não obstante todas as presunções nascidas a partir de todas as outras técnicas utilizadas pelas autoridades fazendárias sejam admissíveis.
Assim, sem claudicar, tenho plena convicção, firmada nas reflexões até aqui esposadas, de que não é crível a aplicação da referida técnica como forma de se chegar a diferença tributável a partir das presunções que se estabelecem a partir do artigo 646 do RICMS/PB.
Até aqui, convergirmos em nossos entendimentos.
Posta em votação, solicitei vista dos autos para melhor apreciar a matéria relacionada às irregularidades fiscais no tocante ao LEVANTAMENTO FINANCEIRO, em especial, ao ponto que tange “despesas pró-labores, retiradas e honorários” lançado pela autoridade fiscal, mas não consubstanciado por qualquer documento corroborativo.
Em preâmbulo, faço considerações de que, o voto do eminente relator é carregado do preciosismo técnico e cautelas de rigor tão peculiares à sua escrita, em tempo, ressalto ainda que, a peça basilar preenche os pressupostos de validade, estabelecidos no art. 142 do CTN, estando preenchidos todos os requisitos necessários à sua lavratura, conforme os ditames do art. 692 do RICMS/PB, e determinada a natureza da infração e a pessoa do infrator, conforme art. 105, § 1º, da Lei nº 6.379/96.
O voto do relator servirá como pano de fundo para este audacioso voto divergente que, em tudo se inclina àquele voto originário distanciando-se apenas no ponto que se refere ao LEVANTAMENTO FINANCEIRO como já retromencionado. Isto porque, muito embora tenha arguido a autuada que as despesas no valor de R$ 13.560,00 tenha sido efetuada a título de “Pró-labore, Retiradas e Honorários” não trouxe aos autos prova disto.
Não poderia, no meu sentir, a autoridade fiscal lançar ao seu talante, atribuir a rubrica de “pró-labore, retirada e honorários” no levantamento financeiro sem qualquer documento fiscal que comprovasse tais retiradas (valores pagos/transferidos aos sócios). Isso seria exorbitar do princípio da legalidade.
É certo que o trabalhador é digno de seu salário. É justo que os sócios façam suas retiradas, desde que acertadas e documentadas entre si. Noutra banda, parece-me completamente razoável que os sócios possam acertar entre si, por uma questão de estratégia financeira, não efetuar retiradas por determinado período, por exemplo. Vejam que tudo gira em torno da conjectura e no âmbito fiscal, isso não se tolera.
Por essa razão, na ausência dos já citados documentos, pugno pelo cancelamento da inclusão de tal valor como item de despesa, mediante cotejo entre desembolsos em relação aos ingressos comprovados, com referência ao fluxo financeiro de 2009.
Pelo exposto,
VOTO, pelo recebimento do recurso voluntário, por regular e tempestivo, e, no mérito, pelo seu desprovimento, alterando de ofício, quanto aos valores, a sentença prolatada na primeira instância que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº: 93300008.09.00001816/2014-68, lavrado em 9/10/2014, em desfavor da empresa JOSÉ FRANCISO DE SOUSA, inscrição estadual nº: 16.022.217-6, devidamente qualificada nos autos, impondo o ônus desta ação fiscal, imputando-lhe o crédito tributário no valor de R$268.579,94 (duzentos e sessenta e oito mil, quinhentos e setenta e nove reais e noventa e quatro centavos), sendo R$ 134. 289 97 (cento e trinta e quatro mil, duzentos e oitenta e nove reais e noventa e sete centavos) de ICMS, como infringente ao art. 643, § 4º, II, do RICMS, art. 160, art. 158, I; e Art. 646, todos do RICMS e art. 158, I; e Art. 646, parágrafo único todos do RICMS e, igual valor de multa por infração com fulcro no art. 82, V, alíneas “a” e “f” da lei 6.379/96.
Ao tempo em que cancelo o crédito tributário no valor de R$247.716,68 (duzentos e quarenta e sete mil, setecentos e dezessete reais e sessenta e oito centavos), sendo R$123.858,34 (cento e vinte e três mil, oitocentos e cinquenta e oito reais e trinta e quatro centavos) relativos ao ICMS e igual valor referente à multa aplicada.
Intimações necessárias, na forma regulamentar.
Primeira Câmara de Julgamento, Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, 23 de maio de 2019.
MÔNICA OLIVEIRA COELHO DE LEMOS
Conselheira Relatora
Processo nº 1571432014-0
REC. VOL. 210/2018
RecorrENTE : JOSÉ FRANCISCO DE SOUSA
Recorrida : GERÊNCIA EXECUTIVA DE JULGAMENTO DE PROCESSOS FISCAIS
Preparadora : COLETORIA ESTADUAL DE CAJAZEIRAS
Autuante : FRANCINEIDE PEREIRA VIEIRA
Relator : Cons.º. ANISIO DE CARVALHO COSTA NETO
OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS. CONTA MERCADORIAS. INAPLICABILIDADE. LEI ESPECIAL AFASTA INCIDÊNCIA DE LEI GERAL. LEVANTAMENTO FINANCEIRO. PROVAS CARREADAS AOS AUTOS IMPRESTÁVEIS PARA COMPROVAR ALEGAÇÕES. AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. ALTERADA DE OFÍCIO, QUANTO AOS VALORES, A DECISÃO RECORRIDA. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO.
É ilegal, por afronta aos princípios da Lei n. º 123/06, a imposição da obrigatoriedade de obter lucro bruto de no mínimo 30% do CMV, quando a lei especial estabelece o encerramento da fase de tributação por ocasião do oferecimento das vendas à aplicação da alíquota devida e ao recolhimento do SIMPLES NACIONAL.
É factível considerar, até prova em contrário, que as despesas com honorários, pró-labore e retiradas sejam do cotidiano financeiro das empresas como remuneração dos sócios pelos investimentos e trabalhos realizados.
RELATÓRIO |
Neste colegiado examina-se o recurso voluntário, nos moldes do artigo 77 da Lei nº 10.094/2013, diante da decisão monocrática que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00001813/2014-68 lavrado em 9/10/2014, (fls. 3), no qual constam as seguintes infrações fiscais:
“OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS > Contrariando dispositivos legais, o contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis, resultando na falta de recolhimento do ICMS. Irregularidade esta detectada através de levantamento Conta Mercadorias.”
“NOTA EXPLICATIVA – Contrariando dispositivos legais, o contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis, resultando na falta de recolhimento do ICMS. Irregularidade esta detectada através do levantamento da Conta Mercadorias.”
“OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – LEVANTAMENTO FINANCEIRO > O contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto devido, tendo em vista a constatação de que os pagamentos efetuados superaram as receitas auferidas, irregularidade esta detectada através de Levantamento Financeiro”.
“NOTA EXPLICATIVA > O contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto devido, tendo em vista a constatação de que os pagamentos efetuados superaram as receitas auferidas, irregularidade esta detectada através de levantamento financeiro.”
Foram dados como infringidos os artigos 158,I, c/c 160, I, 643, § 4º, II e 646, para a acusação de omissão de saídas detectada através do Levantamento da Conta Mercadorias, para os exercícios 2010 e 2011, e 158,I, c/c 160, I, c/c art. 646, para a acusação de omissão de saídas encontrada através do Levantamento Financeiro, para os exercícios 2009, todos do RICMS, aprovado pelo Decreto n° 18.930/97. O crédito tributário proposto foi de R$ 516.296,62 (quinhentos e dezesseis mil, duzentos e noventa e seis reais e sessenta e dois centavos), sendo R$ 258.148,31 (duzentos e cinquenta e oito mil, cento e quarenta e oito reais e trinta e um centavos) de ICMS e mais R$ 258.148,31 (duzentos e cinquenta e oito mil, cento e quarenta e oito reais e trinta e um centavos), referente à multa por infração que tem escopo no art. 82, V, “a” e “f”, da Lei 6.379/96.
O fiscal autuante anexou aos autos todo o escopo probatório que consubstancia a acusação, onde fica delineada a base de informações com referência na qual serviu de esteio para lavratura do auto de infração em desfavor do contribuinte.
Regularmente cientificado através de A.R. em 28/10/2014 (fl. 313), a empresa autuada apresentou reclamação (fls. 314-325) em 24/11/2014, na qual se insurge contra os termos da autuação sob reproche com base nas seguintes argumentações:
- que parte do crédito tributário levantado foi alcançado pelo instituto da decadência;
- que não houve a despesa demonstrada no levantamento financeiro a respeito de pró-labore, retiradas e honorário, no valor de R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) não ocorreu;
- que há erro no referido levantamento em função de não ter havido despesa de água, esgoto e energia elétrica no valor de R$ 7.343,34;
- destaca as disposições do artigo 643, § 3º, do RICMS/PB;
- que, ao refazer os levantamentos financeiros, demonstra que houve superávit no movimento financeiro da empresa em 2009;
- transcreve julgado a respeito da decadência;
- que houve erro no levantamento da Conta Mercadorias em função de ter incluído os valores de R$ 53.230,12 e R4 62.427,83, respectivamente, para os exercícios de 2010 e 2011, a título de notas fiscais de entrada não declaradas, mas que todas foram devidamente lançadas;
- que, após o refazimento dos levantamentos anexados pelo auditor, tendo como imposto a recolher no valor de R$ 60.968,75 e R$ 35.024,99 para os exercícios de 2010 e 2011, respectivamente.
Por fim, solicitando nova análise do processo, requer que sejam confirmados os valores encontrados em sua correção das planilhas elaboradas pela fiscalização, retificando os valores do crédito tributário consignados no libelo acusatório.
Com remessa dos autos a GEJUP e com registro de não ocorrência de antecedentes fiscais (fl. 391), os autos foram distribuídos ao julgador Christian Vilar Queiroz que exarou sentença considerando o auto de infração PARCIALMENTE PROCEDENTE, conforme ementa abaixo:
DECADÊNCIA PARCIAL DOS CRÉDITOS FISCAIS. NÃO ACOLHIDA. REGRA DO ART. 173, I, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL. OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS. LEVANTAMENTO DA CONTA MERCADORIAS. PROCEDÊNCIA. LEVANTAMENTO FINANCEIRO. AJUSTEs REALIZADOs. PROCEDÊNCIA PARCIAL
- Com relação à decadência, aplica-se o art. 173, I, do CTN. Cientificação ao sujeito passivo ocorreu antes do prazo regular de constituição do crédito tributário, não restando decaídos os créditos tributários relativos aos fatos geradores ocorridos de 01 de janeiro até 18 de setembro de 2009.
- Exigência tributária, referente à omissão de saídas de mercadorias tributáveis, apuradas em auditoria do Fluxo Financeiro de 2009 e Demonstrativo da Conta Mercadorias de 2010 e 2011. Imputações afastadas em parte.
AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Cientificado da decisão de primeira instância administrativa de forma pessoal (fl. 410), em 29/1/2018, o autuado apresentou recurso voluntário ao Conselho de Recursos Fiscais (fls. 412-419). Nele, se insurge contra os termos da autuação com base nos seguintes argumentos:
- que houve a contratação de empréstimos no exercício de 2009 no valor de R$ 250,000,00;
- que os valores de estoque final do exercício de 2009 foi de R$ 200.156,15, que seria o inicial de 2010 e não o valor de R$ 316.356,15, conforme demonstrado no levantamento realizado pela fiscalização;
- que os valores consignados no levantamento da Conta Mercadorias a título de estoque final do exercício 2011 representam R$ 52.207,00, quando deveriam ser, na verdade, R$ 169.090,99;
Assim, requer o recebimento do Recurso Voluntário, por regular e tempestivo e, quanto ao mérito, que sejam acolhidas as razões arguidas no sentido de se acatar os valores que acha relevante para alterar o crédito tributário devido.
Na sequência, os autos foram remetidos a esta Casa, com distribuição a esta relatoria, segundo critério regimentalmente previsto, para o fim de apreciação e julgamento.
Este é o relatório.
VOTO |
Trata-se de recurso voluntário, nos moldes do que apregoa o artigo 77 da Lei 10.094/2013, interposto contra decisão de primeira instância que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento n.º 93300008.09.00001813/2014-68 lavrado em 9/10/2014 (fls. 3) em desfavor da empresa JOSÉ FRANCISCO DE SOUSA, inscrição estadual n. º 16.022.217-6, já devidamente qualificada nos autos.
Na acusação, objeto deste processo, a empresa foi autuada por omissão de saídas de mercadorias tributáveis detectada através do Levantamento da Conta Mercadorias e do Levantamento Financeiro, técnicas de fiscalização bastante conhecidas e que tem o escopo de detectar se, no movimento das mercadorias registrado no estabelecimento do fiscalizado, houve, pelo menos, 30% de lucro bruto, abaixo do qual ensejará a presunção já referida, além de verificar os desembolsos e ingressos do movimento financeiro do exercício, com base no qual se extrai base de cálculo do ICMS, em caso de déficit no confronto entre um e outro.
Em princípio, cabe observar que o lançamento fiscal observou, de forma rigorosa, as disposições do art. 142 do CTN, não importando qualquer pretensão de nulidade elencados nos arts. 14, 16 e 17, da Lei nº 10.094/2013 (Lei do PAT), em conformidade com o que segue: (FIQUEI AQUI)
B) DA INAPLICABILIDADE DO ARTIGO 643, § 4º, II do RICMS ÀS EMPRESAS DO SIMPLES NACIONAL
Em princípio, se devem tecer alguns comentários a respeito da referida técnica contábil. É de notável e largo conhecimento entre os que labutam nos ramos do direito tributário e da contabilidade a referida conta mercadoria, que é técnica de fiscalização que se presta a verificar se o contribuinte de fato atende à legislação do ICMS em vigor, mais especificamente, se apurou lucro bruto com mercadorias tributáveis em percentual mínimo de 30%, caso em que, não ocorrendo, vai refletir na falta de recolhimento do ICMS e na constatação de omissão presumida de saídas de mercadorias tributáveis.
Claro está, contudo, que a referida técnica exclui até a entrada em vigor da Lei N. º 123/06, que institui o Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte, as empresas que declaram seus resultados com base no lucro real, aplicando-se, assim, apenas àquelas que apuram seus resultados com base no lucro presumido, conforme já largamente conhecido dos operadores do Direito.
A empresa autuada estava enquadrada no regime especial do SIMPLES NACIONAL, conforme dados cadastrais do contribuinte, anexados ao processo, até o dia 1/1/2015, quando foi excluída, ex officio, em 15/1/2015 com efeitos retroativos ao dia 1º daquele exercício como se pode consultar do histórico do contribuinte no seu cadastro no sistema ATF.
Assim sendo, quando por ocasião dos fatos geradores ocorridos em 2009, 2010 e 2011, objeto da autuação, a empresa era contribuinte dos impostos previstos no Sistema Tributário Nacional sob o auspício das dicções normativas exaradas pela Lei 123/06, referente ao SIMPLES NACIONAL.
Sendo assim, o levantamento da Conta Mercadorias é técnica de fiscalização simplória, a vislumbrar, para os casos em que a legislação o prevê, omissão de saídas tributáveis – por presunção - decorrente da aplicação do disposto no artigo 646, e em consonância com o que estabelece o inciso II, do parágrafo 4º do artigo 643, que obriga o contribuinte que apura o resultado com base no lucro presumido a superávit nunca inferior a 30%, in verbis:
Art. 643. No interesse da Fazenda Estadual, será procedido exame nas escritas fiscal e contábil das pessoas sujeitas à fiscalização, especialmente no que tange à exatidão dos lançamentos e recolhimento do imposto, consoante as operações de cada exercício.
[...]
§ 4º Para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couberem, os procedimentos abaixo, dentre outros, cujas repercussões são acolhidas por este Regulamento:
[...]
II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24.
Assim, a aplicação do dispositivo destacado em combinação com o que preceitua o artigo 646, faz alvorecer a presunção de omissão de saídas em decorrência da não observância do percentual mínimo de lucro bruto imposto na legislação do ICMS em vigor no estado:
Art. 646. Autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou a realização de prestações de serviços tributáveis sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção:
I – o fato de a escrituração indicar:
a) insuficiência de caixa;
b) suprimentos a caixa ou a bancos, não comprovados;
II – a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes;
III – qualquer desembolso não registrado no Caixa;
IV – a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas;
V – declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito.
Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, bem como, a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados , quando da transferência ou venda, conforme o caso. (destaque nosso)
É uma posição que se sustenta em vastos julgados do Conselho de Recursos Fiscais, a exemplo do acórdão n.º 684/2018, exarado por esta corte de julgamento colegiado em 27/12/2018:
FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS. OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS. CONTA MERCADORIAS. LEVANTAMENTO FINANCEIRO. SIMPLES NACIONAL. MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA. AUTO DE INFRAÇÃO PROCEDENTE. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO.
As diferenças apuradas em Conta Mercadorias e Levantamento Financeiro denunciam omissão de saídas tributáveis sem o pagamento do imposto, conforme presunção contida na legislação de regência.
Ressalte-se, neste caso, a ressalva da parte final do caput do artigo 646, que coloca à disposição do contribuinte, de forma categórica e explícita, a prova da improcedência da acusação, que, em consonância com o princípio da ampla defesa e do contraditório, foi oportunidade aproveitada pelo contribuinte, que alegou tudo aquilo que quis. E nesse ponto, ressalte-se que a condição de SIMPLES NACIONAL do contribuinte autuado se prova desde quando fez sua opção pelo especial regime (Anexo 01), condição que foi mantida até 2015, quando foi excluído ex officio.
Ocorre que, no plano do direito, são as alegações que emprestam força ao debate que se estabelece no litígio, mas no plano dos fatos, as provas são elementos incontestáveis a emprestar força às considerações feitas ao longo do processo que se desenrola, de forma litigiosa, no âmbito da querela administrativa.
Em primeira análise, em relação à inaplicabilidade do levantamento da Conta Mercadorias para contribuintes enquadrados no sistema do SIMPLES NACIONAL, me parece bastante razoável e sedutora a tese e merece algumas considerações, ousando discordar das argumentações do insigne julgador de primeiro grau, mesmo que a isso não tenha se referido o contribuinte nem em sua reclamação e nem em seu recurso. Por dever de ofício, entretanto, pesa sobre os ombros desta relatoria a oportunidade de se praticar Justiça Fiscal.
A sedução a tal entendimento, tal como prolatado no parágrafo anterior, aparece em função de princípio aplicável plenamente ao ambiente tributário: O princípio da especialidade, que revela que a norma especial afasta a incidência da norma geral - Lex Specialis Derrogat Legi Generali. Consideramos a norma especial quando contiver os elementos de outra (geral) e acrescentar pormenores.
Assim, quando não ocorrer o crepúsculo de uma omissão real – afastadas as presunções - capaz de impedir a interpretação a respeito da incidência do tributo sobre os fatos geradores, nenhuma outra norma pode convergir para esses fatos que não a especial, a regulamentar a relação obrigacional que se estabelece entre as empresas enquadradas no SIMPLES NACIONAL e o Estado, representado pelos seus entes federados: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
E entenda-se que todos os entes representativos da nossa Federação foram citados a propósito de que a legislação especial – Lei n. º 123/06 – passa a discorrer sobre todas as obrigações tributárias das empresas do sistema, afastando, assim, naquilo que não for omissa, a aplicação das normais gerais relativas às demais empresas/contribuintes dos impostos previstos na nossa Constituição, especialmente naqueles que discorre a Carta Magna no seu Título VI – Da Tributação e Orçamento.
Aliás, não é preciso discorrer fartamente sobre as decisões desse Conselho de Recursos Fiscais para chegar à conclusão que é quase unânime o entendimento da preponderância da lei especial sobre a geral, a exemplo do Acórdão n. º 050/20l8, da lavra da Conselheira Maria das Graças D. de Oliveira Lima, do qual extraio excerto:
“Com efeito, diz-se especial a norma que contém os elementos de outra (geral) e acrescenta pormenores. Ex.: ao tipo adiciona outros dados, como sujeito ativo, sujeito passivo, as circunstâncias temporais, etc. Casos em que a norma preponderante será a especial, nos termos do Princípio da Especialidade, segundo o qual a norma especial afasta a incidência da norma geral (Lex Specialis Derrogat Legi Generali).” (grifo nosso)
Nesse diapasão, é coerente o entendimento que a Lei n. º 123/06 é especial, sendo a geral, para os contribuintes do ICMS da Paraíba, o Decreto n. º 18.930/97, que estabelece de forma minudente, as diretrizes para a tributação, fiscalização e arrecadação do tributo no território paraibano.
Sendo assim, não é antijurídico interpretar que é a Lei n.º 123/06 que estabelece as diretrizes da tributação, arrecadação e fiscalização das empresas enquadradas no sistema do SIMPLES NACIONAL, assim como ocorre para o contribuinte, que provou sua adesão ao regime especial no Anexo 01.
Cumpre-nos estabelecer que, mesmo não tendo sido alegado pelo contribuinte, suas obrigações se encerram a partir do recolhimento, desde que não tenha omitido quaisquer saídas de mercadorias/prestações de serviço, do valor apurado para o SIMPLES NACIONAL. Com ele – o recolhimento – o contribuinte encerra a fase de tributação tanto para a União, quanto para o Estado, Município e Distrito Federal, se for o caso, na forma em se estabelece na Lei n. º 123/06, mais especificamente nos artigo 1º, inciso I:
Art.1o Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:
I - à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias;
Como esposado, o referido inciso é clarividente, ao estabelecer que as obrigações dos contribuintes enquadrados no sistema especial se esgotam a partir do recolhimento do SIMPLES NACIONAL, a partir do qual se encerra a fase de tributação tanto para os tributos de caráter federal, quanto estadual, municipal e do Distrito Federal, quando for o caso, “mediante regime único de arrecadação”, assim como disposto no destacado inciso. Então COMO IMPOR CONDUTA ANTIJURÍDICA AO CONTRIBUINTE QUE SE CONDUZIU AOS MANDAMENTOS DA PRÓPRIA LEI?
Nesse sentido, tendo encerrado a fase de tributação para todos os entes federados, me parece bastante execrável exigir uma obrigação disposta na lei geral – Decreto n. º 18.930/97 – quando na lei especial, que afasta a incidência da geral, não há qualquer disposição normativa obrigando o contribuinte a apresentar lucro bruto igual ou superior a 30%. Aliás, se deve ter em mente que a previsão contida no indigitado artigo 643, para além de uma PRESUNÇÃO, TRATA-SE, DE FATO, DE UMA FICÇÃO. Daquelas que se devem considerar mais horrendas.
Ora, como atribuir uma acusação de sonegação a quem, no exercício de sua atividade empresarial, não obteve lucro bruto de 30%? Numa economia de mercado, como a que se estabelece no panorama dos negócios no Brasil, quem estabelece o lucro é a concorrência, é o mercado, de olho nos custos, em primeira análise. E, mais tosco do que se cobrar imposto com base no malfadado levantamento da conta mercadoria, o contribuinte ainda vai ter o ônus de ter que se defender no âmbito da Justiça Criminal e provar ao juiz que está sendo acusado de cometer crime porque simplesmente não obteve lucratividade superior a 30% do Custo das Mercadorias Vendidas. Nada mais bizarro!
E, diga-se de passagem, há, na Lei n. º 123/06, apenas uma passagem que se refere à exigência de lucro bruto, mesmo assim de forma “transversa”. E estou aqui a me referir ao inciso X, do artigo 29, do referido diploma. Mesmo assim, a norma destacada se refere à exigência como pressuposto para exclusão de ofício do SIMPLES NACIONAL, mas nunca como parâmetro de exigência de tributo de qualquer natureza, senão vejamos:
Art. 29. A exclusão de ofício das empresas optantes pelo Simples Nacional dar-se-á quando:
[...]
X - for constatado que durante o ano-calendário o valor das aquisições de mercadorias para comercialização ou industrialização, ressalvadas hipóteses justificadas de aumento de estoque, for superior a 80% (oitenta por cento) dos ingressos de recursos no mesmo período, excluído o ano de início de atividade;
Dessa forma, percebe-se, sem grande esforço intelectivo, que a única menção à necessidade de se estabelecer qualquer relação de lucratividade para as empresas do SIMPLES NACIONAL está insculpida na referida norma – atentando-se que em proporção diferente da prevista no decreto 18.930/97 – e, ainda assim, para efeito de exclusão do contribuinte do sistema nacional.
Com base nesses argumentos, seria de se esperar que, a Administração Fazendária, em primeiro plano, excluísse os contribuintes do SIMPLES NACIONAL, sempre que ocorresse o fato descrito na norma destacada, para, em exercício posterior, pudesse exigir dos contribuintes excluídos – agora enquadrados no sistema comum de tributação, fiscalização e arrecadação previsto na legislação tributária paraibana (Decreto n. º 18.930/97) – as disposições do artigo 643, § 4º, II, do RICMS/PB, ocasião em que seriam perfeitamente aplicáveis as disposições referentes à conta Mercadoria, com a exigência de lucro bruto nunca inferior a 30%.
Nessa medida, entendo que a exigência de auferir lucro bruto de 30%, além de execrável, espalhando, sobre o ambiente tributário do Estado, uma boa e sonora dose de insegurança jurídica, é absolutamente ilegal para as empresas do SIMPLES NACIONAL, para as quais foi imposta a obrigação, somente, de oferecer suas saídas/vendas à tributação para sobre elas aplicar a alíquota do SIMPLES NACIONAL cabível, encerrando, sem possibilidade de qualquer outra exigência, sua fase de tributação.
Ora, se a vigência da lei especial afasta a incidência da lei geral, como esperar que os contribuintes do SIMPLES NACIONAL, a quem foi dado o direito de usufruir das disposições da lei especial, onde não consta qualquer exigência de obter lucro bruto naquele percentual, venha a observar as disposições da lei geral, especialmente no que tange as obrigações de recolher tributo, quando na lei especial fica prevista o recolhimento unificado o regime de arrecadação de impostos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios? A cobrança é um ato atentatório ao sistema, ameaçando de forma impulsiva a simplificação que por décadas foi luta das associações de classe empresarial em relação aos contribuintes hipossuficientes.
E, em relação à inaplicabilidade da técnica fiscal, deve-se chamar atenção para mais um fato bastante relevante a apoiar o relatório: que estamos diante de antinomia que coloca frente a frente uma Lei Complementar de aplicação em todo o território brasileiro (Lei n. º 123/06) com um decreto estadual que vigora apenas no território paraibano (Decreto n. º 18.930/97). Senhores deste Conselho, quem deve se sobrepor no contexto da LEI COMPLEMENTAR VERSUS DECRETO ESTADUAL?
E para a apoiar as considerações que aqui introduzo, me remeto às disposições do art. 97 do Código Tributário Nacional (CTN) do qual se extrai a conclusão de que apenas a lei é instrumento necessário à criação de obrigação de natureza tributária, jamais decreto:
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I - a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II - a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
III - a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;
IV - a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;
V - a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI - as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.
§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.
Art. 98. Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e serão observados pela que lhes sobrevenha.
Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei. (grifo nosso)
Assim, me parece bastante desarrazoada a exigência, muito mais ainda a cobrança de tributo através do referido levantamento. E, malgrado a primariedade do referido levantamento, entendo que, somente para aqueles contribuintes, cuja desídia sobre os seus negócios exsurge pela resistência em apurar seus resultados pelo lucro real possa se aplicar os paradigmas do artigo 643. A NINGUÉM MAIS. Por isso, resta afastado todo o crédito levantado pela fiscalização relativo a referido Levantamento da Conta Mercadorias.
Com o fito de encerrar as discussões a respeito das teses que se consubstanciam em favor da aplicação da referida técnica, é preciso considerar alguns aspectos dos artigod 13, XVIII, “f” e 34, da Lei n. º 123/06 in verbis:
Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
[...]
XIII - ICMS devido:
[...]
f) na operação ou prestação desacobertada de documento fiscal;
Art. 34. Aplicam-se à microempresa e à empresa de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional todas as presunções de omissão de receita existentes nas legislações de regência dos impostos e contribuições incluídos no Simples Nacional.
Não há dúvidas de que em situação de omissão, em que fique caracterizado a falta de emissão de documentos fiscais nas operações em que o ato seja exigido, haverá ICMS a ser recolhido. E recolhido sob os ditames das legislação prevista para os demais contribuinte não incluídos no Simples Nacional, sob pena de se ver prosperar o brocardo nemo auditur propriam turpitudinem allegans (ninguém pode se beneficiar da própria torpeza). Seria impensável imaginar, portanto, que diante da omissão de receita, na tentativa de se imiscuir de pagar o imposto devido, o contribuinte pudesse ainda se beneficiar da legislação que o favorece em relação aos demais contribuintes do imposto.
Mas o que se quer discutir aqui é outra coisa. Diz respeito à possibilidade, ou não, de se aplicar as técnicas de que se vale a fiscalização para se detectar fato gerador do imposto, com a respectiva cobrança do crédito tributário através do lançamento de ofício, especialmente naquelas que são alvissareiras em detectar omissão de saídas de mercadorias tributáveis sem o recolhimento do imposto a partir das presunções legais.
No que concerne às presunções, está muito bem estabelecido de que são aplicáveis às empresas enquadradas no Simples Nacional, assim como se estabelece no artigo 34 da Lei n. º 123/06. Disso não resplandece qualquer dúvida. A questão central é a respeito daquela presunção que nasce a partir da aplicação da técnica do Levantamento da Conta Mercadoria.
Não é sem razão que podemos perceber que, somente a partir da aplicação da exigência contida no artigo 643, do RICMS/PB, é que surge a diferença tributável. Jamais sem ela. Portanto, até a utilização da técnica, o contribuinte do Simples Nacional, para o qual não há referida previsão da obrigação na legislação especial, se mantém em absoluto estado de juridicidade, não podendo recair sobre ele qualquer pretensão de cobrança de tributo com base na referida técnica, já que não há previsão legal.
De outro ponto, é preciso esclarecer que o citado artigo 34 da Lei Especial faz referência expressa às presunções. E as presunções são as de omissão de saídas que se apuram a partir das técnicas. Não são as técnicas de fiscalização que se aplicam. Não é a isso que a norma se refere. E não havendo previsão para que o contribuinte esteja obrigado a apresentar Lucro Bruto de 30% em relação ao CMV, a técnica não é aplicável, não obstante todas as presunções nascidas a partir de todas as outras técnicas utilizadas pelas autoridades fazendárias sejam admissíveis.
Assim, sem claudicar, tenho plena convicção, firmada nas reflexões até aqui esposadas, de que não é crível a aplicação da referida técnica como forma de se chegar a diferença tributável a partir das presunções que se estabelecem a partir do artigo 646 do RICMS/PB.
C) DO LEVANTAMENTO FINANCEIRO
Na análise do levantamento financeiro, sabe-se que é mais uma das técnicas utilizadas pela fiscalização para supervisionar as atividades empresariais dos contribuintes inscritos no cadastro da Secretaria de Estado da Receita e se presta a apurar eventual sobejidão de desembolsos sobre os ingressos, em um determinado período, que resultaria em diferença tributável, sobre a qual deve recair a aplicação da alíquota vigente à época do cometimento da infração.
Assim, no caso do levantamento financeiro constatar pagamentos acima dos recebimentos, estará caracterizada a infração com a autorização legal para que se aceite a presunção contida no artigo 646 do RICMS-PB, já destacado, conforme diante demonstrado:
Art. 646. Autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou a realização de prestações de serviços tributáveis sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção:
[...]
Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, bem como, a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados , quando da transferência ou venda, conforme o caso.
Diferentemente do Levantamento da Conta Mercadorias, estamos diante de uma técnica que se presta, com muito mais segurança jurídica, a auferir, comprovadamente, indícios de irregularidades no exercício da atividade empresarial escolhida pelo contribuinte, diante de fato que é incontroverso: gastos acima das receitas.
Esse é levantamento que se presta eficientemente a levantar crédito tributário com relevante grau de certeza e liquidez, sem que injustiça alguma seja cometida, verificando-se através dele aquilo que o contribuinte tentou se eximir de recolher a título de imposto devido, conforme jurisprudência pacífica do Conselho de Recursos Fiscais:
Processo nº 0933602010-2
Acórdão 137/2013
Recurso VOL/CRF- nº 138/2012
Recorrente: Estilo Móveis Indústria Ltda. – EPP
Recorrida: Gerência Executiva de Julgamento de Processos Fiscais
Preparadora: Coletoria Estadual de Esperança
Autuante: Nelson Tadeu Grangeiro Costa
Relator: Cons.º. Roberto Farias de Araújo
RECURSO VOLUNTÁRIO PARCIALMENTE PROVIDO. OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – LEVANTAMENTO FINANCEIRO. CONFIRMAÇÃO PARCIAL. ALÍQUOTA SIMPLES NACIONAL ALTERADA CONFORME LEGISLAÇAO ESTADUAL SUPERVENIENTE. AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. REFORMADA A DECISÃO RECORRIDA.
- Confirmada a omissão de saídas de mercadorias tributáveis, pela constatação de os pagamentos efetuados terem superado as receitas auferidas, através do Levantamento Financeiro.
- Para a quantificação do crédito tributário, em relação à acusação de omissão de saídas de mercadorias tributáveis, para primeiro período de ocorrência desta infração deve ser aplicada a alíquota prevista para o Simples Nacional, por força de legislação tributária superveniente que estabeleceu novos critérios de apuração ou processos de fiscalização. A partir do segundo período da ocorrência desta infração, o ICMS deve ser exigido com observância da legislação aplicável às demais pessoas jurídicas, em conformidade com as alíquotas estabelecidas na legislação tributária estadual do ICMS, haja vista que a referida infração está excetuada quanto à aplicação da legislação específica do Simples Nacional.
Vistos, relatados e discutidos os autos deste Processo, etc...
Portanto, essa é matéria já bastante tratada pela Corte Plural de Julgamento de Processos Fiscais, razão pela qual não merece grandes discussões teóricas a respeito da regularidade do crédito tributário levantando em função dela, exceção às particularidades do caso concreto que, neste processo, se operam.
Em que pese as questões de mérito, especialmente as alegadas pelo contribuinte em grau de recurso, é preciso esclarecer que os contratos de empréstimos anexados aos autos não podem merecer consideração. Em primeiro plano, eles são cópias do suposto contrato de financiamento em que não se consignam assinaturas nem do contratante nem do contratado, não podendo ser acolhidos como prova. Especialmente quando o contribuinte simplesmente poderia ter anexado qualquer Livro Contábil (Caixa, Razão, Diária etc.) a comprovar o ingresso desse dinheiro no caixa ou na conta bancos.
Em outro plano, ousarei discordar do julgador singular, mais precisamente no expurgo que ele realizou no montante das despesas demonstradas no Levantamento Financeiro de 2009 a título de despesas com pró-labore, retiradas e honorários, no montante de R$ 13.560,00.
Ora, a referida “suposição” de despesa não é inverossímil, como se pretendeu alegar, exigindo prova do desembolso. Não se pode aceitar, como hipótese mais crível, a situação de que os sócios desenvolvam sua atividade empresarial pelo mero deleito. Ora, sendo concebível que os investimentos realizados guardam estreiteza com o desejo de lucrar, para dele se extrair a sobrevivência – luxuosa ou não -, é de se aceitar que os sócios tenham feito suas retiradas ao longo dos anos.
E como presunção juris tantum, seria facilmente comprovável a não realização das retiradas se o contribuinte tivesse o cuidado de anexar os livros contábeis já referidos, demonstrando que do seu movimento financeiro nenhuma contrapartida foi feita em benefício dos sócios, o que não fez, razão pela qual mantenho íntegro o Levantamento Financeiro realizado pela fiscalização por ocasião do processo de auditoria que culminou com o auto de infração sob reproche.
Por todo o exposto,
V O T O - pelo recebimento do recurso voluntário, por regular e tempestivo, e, no mérito, pelo seu desprovimento, para alterar de ofício, quanto aos valores, a sentença prolatada na primeira instância, que julgou PARCIALMENTE PROCEDENTE o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00001813/2014-68, lavrado em 9/10/2014, em desfavor da empresa JOSÉ FRANCISCO DE SOUSA, inscrição estadual n° 16.022.217-6, devidamente qualificada nos autos, impondo o ônus desta ação fiscal, imputando-lhe o crédito tributário no valor de R$ 273.188,34 (duzentos e setenta e três mil, cento e oito reais e trinta e quatro centavos), sendo R$ 136.594,17 (cento e trinta e seis mil, quinhentos e noventa e quatro reais e dezessete centavos) de ICMS, por infringência aos artigos art. 158, I, art. 160, I, c/c art. 646, todos do RICMS-PB, e mais R$ 136.594,17 (cento e trinta e seis mil, quinhentos e noventa e quatro reais e dezessete centavos) por aplicação do artigo 82, V, “f” da Lei 6.379/96.
Ao tempo em que cancelo o crédito tributário no valor de R$ 243.129,28 (duzentos e quarenta e três mil, cento e vinte e nove reais e vinte e oito centavos), sendo R$ 121.554,14 (cento e vinte e um mil, quinhentos e cinquenta e quatro reais e quatorze centavos), relativos ao ICMS e mais igual valor referentes à multa aplicada.
Primeira Câmara de Julgamento, Sala das Sessões, Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 23 de maio de 2019.
ANISIO DE CARVALHO COSTA NETO
Conselheiro Relator
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