ACÓRDÃO 391/2019
ESTADO DA PARAÍBA
SECRETARIA DE ESTADO DA RECEITA
PROCESSO N°095.302.2014-6
SEGUNDA CÂMARA DE JULGAMENTO
Embargante:FRANCISCA DO AMARAL XAVIER ME.
Embargado:CONSELHO DE RECURSOS FISCAIS.
Preparadora:UNIDADE DE ATENDIMENTO AO CIDADÃO DA SEFAZ-CATOLÉ DO ROCHA.
Autuante: RAIMUNDO LUCIAN LEITE.
Relatora:CONS.ªDAYSE ANNYEDJA GONCALVES CHAVES
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. MATÉRIA REEXAMINADA. PRELIMINAR REJEITADA. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE PRESENTES. REFORMADA, DE OFÍCIO, A DECISÃO AD QUEM. RECURSO DESPROVIDO.
A ausência de intimação pessoal acerca da pauta de julgamento não configura ofensa aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, quando tomadas as providências para a publicidade das reuniões, nos termos do Regimento do Conselho de Recursos Fiscais. O não comparecimento do advogado para sustentar oralmente suas razões deveu-se à sua própria desídia não caracterizando cerceamento de defesa. Pauta de julgamento publicada no Diário oficial.
Os embargos de declaração servem ao aperfeiçoamento da decisão, não se prestando para rediscussão de matéria já apreciada em momento anterior, todavia, em busca da verdade real e em razão de mudança de entendimento meritório, a matéria foi reexaminada e a decisão alterada de ofício.
- A técnica da Conta Mercadorias – Lucro Presumido não é aplicável para contribuinte do Simples Nacional, uma vez que o arbitramento de lucro bruto se evidencia incompatível e em total dissonância com o que estabelece a Lei Complementar nº 123/06. O contribuinte enquadrado como Simples Nacional possui características e regramento próprios, o que o coloca em situação especial, não permitindo a utilização de margem de lucro presumido para fins de surgimento da presunção juris tantum de omissão de receitas.
Vistos, relatados e discutidos os autos deste Processo, etc...
A C O R D A M os membros da Segunda Câmara de Julgamento deste Conselho de Recursos Fiscais, à unanimidade e de acordo com o voto da relatora, pelo recebimento do recurso de embargos de declaração, por regular e tempestivo e, no mérito, pelo seu desprovimento, para reformar, de ofício, a decisão exarada no Acordão nº 697/2018, e julgar parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00000960/2014-10, lavrado em 10/6/2014, contra a empresa FRANCISCA DO AMARAL XAVIER ME, inscrição estadual nº 16.110.278-6, devidamente qualificada nos autos, condenando-a ao pagamento do crédito tributário no montante de R$ 24.190,04 (vinte e quatro mil, cento e noventa reais e quatro centavos), sendo R$ 12.095,02 (doze mil, noventa e cinco reais e dois centavos) de ICMS com fundamento no art. 158, I, 160, I, c/fulcro no art. 646, parágrafo único, do RICMS-PB, aprovado pelo Decreto 18.930/97 e R$ 12.095,02 (doze mil, noventa e cinco reais e dois centavos) a título de multa com arrimo no art, 82, V “f” da Lei nº 6.379/96.
Ao tempo em que cancela por indevido o montante de R$ 78.508,64 (setenta e oito mil, quinhentos e oito reais e sessenta e quatro centavos), sendo R$ 39.254,32 (trinta e nove mil, duzentos e cinquenta e quatro reais e trinta e dois centavos) a título de ICMS e o mesmo montante a título de multa.
P.R.I.
Segunda Câmara de Julgamento, Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 26 de julho de 2019.
DAYSE ANNYEDJA GONÇALVES CHAVES
Conselheira Relatora
GIANNI CUNHA DA SILVEIRA CAVALCANTE
Presidente
Participaram do presente julgamento os membros da Segunda Câmara de Julgamento, MAIRA CATÃO DA CUNHA CAVALCANTI SIMÕES, PETRONIO RODRIGUES LIMA e SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA.
FRANCISO GLAUBERTO BEZERRA JÚNIOR
Assessor Jurídico
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RELATÓRIO |
O libelo acusatório de nº 93300008.09.00000960/2014-10, lavrado em 10/6/2014, contra a empresa FRANCISCA DO AMARAL XAVIER ME, inscrição estadual nº 16.110.278-6, por deixar de recolher aos cofres da Fazenda Estadual a quantia de R$ 102.698,68 (cento e dois mil, seiscentos e noventa e oito reais e sessenta e oito centavos), em decorrência da prática das seguintes infrações:
- OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS >> Contrariando dispositivos legais, o contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis, resultando na falta de recolhimento do ICMS. Irregularidade esta detectada através do levantamento Conta Mercadorias.
Nota Explicativa:
CONTRARIANDO DISPOSITIVOS LEGAIS, O CONTRIBUINTE OMITIU SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS, RESULTANDO NA FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS. IRREGULARIDADE ESTA DETECTADA ATRAVÉS DO LEVANTAMENTO CONTA MERCADORIAS.
- OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – LEVANTAMENTO FINANCEIRO >> O contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto devido, tendo em vista a constatação de que os pagamentos efetuados superaram as receitas auferidas. Irregularidade detectada através de Levantamento Financeiro.
Nota Explicativa:
O CONTRIBUINTE OMITIU SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS SEM O PAGAMENTO DO IMPOSTO DEVIDO, TENDO EM VISTA A CONSTATAÇÃO DE QUE OS PAGAMENTOS EFETUADOS SUPERARAM AS RECEITAS AUFERIDAS. IRREGULARIDADE DETECTADA ATRAVÉS DE LEVANTAMENTO FINANCEIRO.
No recurso voluntário, apreciado por esta instância ad quem, este Colegiado manteve a sentença exarada na instância singular ao promulgar o Acórdão nº 697/2018, declarando procedente o lançamento tributário conforme transcrição que se segue, litteris:
FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS. OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS. CONTA MERCADORIAS. LEVANTAMENTO FINANCEIRO. SIMPLES NACIONAL. MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA. AUTO DE INFRAÇÃO PROCEDENTE. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO.
As diferenças apuradas em Conta Mercadorias e Levantamento Financeiro denunciam omissão de saídas tributáveis sem o pagamento do imposto, conforme presunção contida na legislação de regência.
A C O R D A M os membros da Segunda Câmara de Julgamento deste Conselho de Recursos Fiscais, à unanimidade, e de acordo com o voto da relatora, pelo recebimento do recurso voluntário, por regular e tempestivo e, quanto ao mérito, pelo seu desprovimento para manter integralmente a sentença monocrática que julgou procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00000960/2014-10, lavrado em 10/6/2014, contra a empresa FRANCISCA DO AMARAL XAVIER ME, inscrição estadual nº 16.110.278-6, já qualificada nos autos, declarando devido o crédito tributário no valor de R$ 102.698,68 (cento e dois mil, seiscentos e noventa e oito reais e sessenta e oito centavos), sendo R$ 51.349,34 (cinquenta e um mil, trezentos e quarenta e nove reais e trinta e quatro centavos), de ICMS, nos termos dos arts. 158, I e 160, I c/fulcro art. 646 e parágrafo único, e art. 643, §4º, I; todos do RICMS/PB, aprovado pelo Decreto nº 18.930/97, e R$ 51.349,34 (cinquenta e um mil, trezentos e quarenta e nove reais e trinta e quatro centavos), de multa por infração, nos termos dos artigos 82, V, “a” e “f”, da Lei n° 6.379/96, com as alterações dadas pela Lei nº 10.008/2013.
Com a decisão, deste Órgão Revisor, sendo publicada no D.O.E. em 31/1/2019 (fl.418), a recorrente foi cientificada dessa decisão, por via postal, em 21/2/2019 AR (fl.421), vindo a apresentar o presente Recurso de Embargos de Declaração, em 25/2/2019 (fls. 423-435).
- No recurso, alega cerceamento de defesa por ter efetuado o pedido para lhe ser oportunizado o direto de fazer a sustentação oral de suas razões por ocasião do julgamento do recurso voluntário, estando o acórdão embargado eivado de omissão por não constar qualquer menção com vistas a indeferir aquele pedido.
- Aponta contradição e omissão da decisão vergastada por considerar preclusos os documentos apresentados à autoridade fiscal, aptos para afastar a presunção relativa ao arbitramento da margem de lucro de 30% (trinta por cento) efetuado no auto de infração.
- Diz que a decisão proferida apega-se ao formalismo em detrimento da busca da verdade material.
- Requer, ao final, o conhecimento e provimento dos presentes embargos de declaração, com efeitos infringentes, para reconhecer a nulidade absoluta por violação do direito da embargante de efetuar a sustentação oral como requerido no recurso voluntário.
- Alternativamente, ultrapassada a tese de nulidade, que seja recebido o recurso com efeitos infringentes, com vistas a modificar a decisão combatida para reconhecer a improcedência total do auto de infração.
Remetidos os autos a este Colegiado, foram a mim distribuídos.
Tendo em vista a mudança de entendimento desta corte quanto à aplicabilidade da técnica Conta Mercadorias para empresas enquadradas no Simples Nacional, esta relatoria, buscando aproximar-se ao máximo da justiça fiscal, solicitou parecer à assessoria jurídica desta corte, fls. 437 a 439, de modo que fosse emitido parecer sobre a possibilidade de aplicação do novo entendimento em sede de Embargos de Declaração, de modo a reanalisar o mérito da autuação ora discutida, ato contínuo, os autos retornaram com parecer constante às fls. 440 a 444.
É o Relatório.
V O T O |
Analisa-se nestes autos o recurso de embargos de declaração interposto pela empresa FRANCISCA DO AMARAL XAVIER ME, nova razão social, COMERCIAL XAVIER EIRELLI, perante este Colegiado, com fundamento do art. 86, do Regimento Interno do Conselho de Recursos Fiscais, conforme transcrição abaixo, ipsis litteris:
Art. 86. O Recurso de Embargos de Declaração será oposto pelo contribuinte, pelo autor do feito ou pela Fazenda Pública, em petição dirigida ao relator, quando houver omissão, obscuridade ou contradição na decisão proferida.
Com efeito, só a existência destes vícios, nos termos do Regimento desta Casa, autorizam à parte lançar mão do remédio jurídico-processual dos embargos de declaração, tão somente a fim de instar o prolator da decisão objurgada a que se re-exprima, "tornando claro aquilo que nele é obscuro, certo aquilo que nele se ressente de dúvida, desfaça a contradição nele existente, supra ponto omisso" nas lições de Moacyr Amaral Santos - (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil", 12ª ed. – São Paulo: Saraiva, 1989-1992 – p. 151).
Preliminarmente, no tocante à arguição de nulidade posta pela recorrente alegando cerceamento de defesa, por não lhe ter sido dada a oportunidade de fazer a sustentação oral de suas razões por ocasião do julgamento do recurso, há que se esclarecer que a embargante foi devidamente cientificada da decisão de primeira instância, em 28/12/2017, conforme AR (fl. 367), e que a pauta de julgamento da 80ª Sessão Ordinária da Segunda Câmara do Conselho de Recursos Fiscais, quando foi julgado o recurso voluntário, foi publicada no Diário Oficial Eletrônico da Secretaria de Estado da Receita – D.O.e-SER., constante do site da Secretaria da Receita Estadual, em 18/12/2018, portanto, o não comparecimento da autuada à sessão para sustentar oralmente sua defesa se deu em razão de sua própria desídia, e não por qualquer ato originário do Conselho de Recursos Fiscais.
Neste sentido, o Regimento Interno do Conselho de Recursos Fiscais, prevê a publicação da pauta de julgamento no DOe-SER, conforme dispõe o art. 11 do referido diploma legal:
Art. 11. São atribuições do Conselheiro-Presidente:
(...)
XIV - estabelecer a pauta de julgamento de cada sessão e determinar a sua publicação no Diário Oficial Eletrônico da Secretaria de Estado da Receita - DOe-SER, ou mediante afixação nas dependências do Conselho de Recursos Fiscais e divulgação no site da SER na Internet, com antecedência de 3 (três) dias.
A esse respeito, esclareça-se que as medidas previstas no dispositivo acima mencionado foram todas tomadas pelo Órgão revisional.
No mérito, a questão posta pela embargante, aludindo que o Acórdão vergastado considerou preclusos os documentos apresentados à autoridade fiscal, trata de matéria já apreciada no Recurso Voluntário.
Neste sentido, o recurso de embargos de declaração não é meio adequado para rediscussões de matérias já apreciadas. Portanto, não se vislumbra qualquer omissão, contradição, obscuridade ou erro material passível de saneamento que possa conferir efeitos modificativos na decisão embargada.
Para melhor compreensão reproduzo abaixo o tratamento dado pelo acórdão:
No entanto, a autuada apenas disponibilizou sua documentação fiscal e contábil, após o exaurimento do prazo de 72 (setenta e duas horas), estipulado pela fiscalização no Termo de Início (fl. 08).
Neste sentido, a autuada teve ciência do início dos trabalhos de fiscalização, em 8/4/2012, mas apenas veio a entregar a documentação relativa à sua escrita fiscal e contábil em 5/5/2014, conforme atesta documento (fl. 60).
Ressalte-se, ainda, que tanto a data da chancela do Livro Diário, na Junta Comercial do Estado, em 28/4/2014 (fls. 101-351), como a data da entrega da documentação à fiscalização, em 5/5/2014, conforme documento (fl. 60), são posteriores ao exaurimento do prazo estipulado pela fiscalização no Termo de Início, invalidando tal documentação para efeitos da Ordem de Serviço que culminou com a lavratura do presente auto de infração.
Portanto, sem a apresentação de contabilidade regular demonstrando a apuração do lucro real, no prazo regulamentar, o contribuinte ficou sujeito ao arbitramento do lucro bruto, submetendo-se ao pagamento do ICMS apurado sobre a diferença levantada na Conta Mercadorias, nos termos do art. 634 do RICMS/PB, transcrito anteriormente.
Assim, o fato de a autuada ter apresentado documentação fora do prazo previsto pela legislação não se configura como mero formalismo, pois visa antes de tudo, evitar o prolongamento dos trabalhos de fiscalização em razão da não apresentação da documentação em tempo hábil.
Em regra, não possuem os aclaratórios caráter substitutivo ou modificativo do julgado vergastado, tendo, na verdade, um alcance muito mais integrativo ou esclarecedor, servindo-se tal instrumento recursal a viabilizar uma declaração que àquele se integre de modo a possibilitar sua melhor inteligência ou interpretação. Todavia, recentemente houve mudança no entendimento desta corte quanto à aplicação da técnica Conta Mercadorias para as empresas enquadradas no Simples Nacional.
No presente caso, não vislumbro a presença de nenhuma obscuridade, que seja capaz de macular a decisão ora objurgada. Logo, no mérito estamos tratando de matéria exatamente igual à julgada no acórdão de Nº 162/2019, cuja ementa peço vênia para transcrever:
PROCESSO Nº 0584102016-1
SEGUNDA CÂMARA DE JULGAMENTO
Recorrente: IVO NUNES OLIVEIRA
Recorrida: GERÊNCIA EXECUTIVA DE JULGAMENTO DE PROCESSOS FISCAIS - GEJUP
Repartição Preparadora: UNIDADE DE ATENDIMENTO AO CIDADÃO DA SER - MAMANGUAPE
Autuante: VERA LUCIA BANDEIRA DE SOUZA
Relator: CONS.º SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA.
DECADÊNCIA – PRELIMINAR NÃO ACOLHIDA – FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS – SIMPLES NACIONAL - INFRAÇÃO CARACTERIZADA – AJUSTE DA PENALIDADE PROPOSTA – APLICAÇÃO DO PERCENTUAL ESTABELECIDO NOS ARTIGOS 16, I, DA RES. CGSN Nº 30/2008 E 87, I, DA RES. CGSN Nº 87/2011 – OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS –– CONTA MERCADORIAS – INAPLICABILIDADE DA TÉCNICA PARA CONTRIBUINTES DO SIMPLES NACIONAL – IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO – REFORMADA, DE OFÍCIO, A DECISÃO RECORRIDA – AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE – RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO
- A identificação da existência de valores tributáveis informados nas GIM do contribuinte e não oferecidas à tributação do Simples Nacional impõe a necessidade de lançamento de ofício. Ajuste da penalidade proposta, uma vez não confirmada a ocorrência de nenhuma das condutas autorizativas da aplicação dos artigos 16, II, da Res. CGSN nº 30/2008 e 87, II, da Res. CGSN nº 94/2011.
- A técnica da Conta Mercadorias – Lucro Presumido não é aplicável para contribuinte do Simples Nacional, uma vez que o arbitramento de lucro bruto se evidencia incompatível e em total dissonância com o que estabelece a Lei Complementar nº 123/06. O contribuinte enquadrado como Simples Nacional possui características e regramento próprios, o que o coloca em situação especial, não permitindo a utilização de margem de lucro presumido para fins de surgimento da presunção juris tantum de omissão de receitas.
Por tais razões, entendo que deve ser julgado procedente os aclatórios para correção material da decisão proferida por meio do Acórdão Nº 697/2018.
Desta forma, passemos a reanálise do auto de infração, quanto à infração “OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS”.
A denúncia de omissão de saídas de mercadorias tributáveis – Conta Mercadorias, nos exercícios de 2011 e 2012.
A Conta Mercadorias – Lucro Presumido é uma técnica fiscal que se aplica aos casos em que o contribuinte não possui contabilidade regular, circunstância em que se arbitra o lucro de 30% (trinta por cento) sobre o Custo das Mercadorias Vendidas - CMV. Caso o valor das vendas seja inferior ao CMV acrescido deste lucro, a legislação tributária estadual autoriza a fiscalização a lançar mão da presunção de que houve saídas de mercadorias tributáveis sem pagamento do imposto.
Esta conduta conduz à presunção de que o contribuinte realizou saídas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto correspondente, nos termos do que dispõem os artigos 3º, § 9º, da Lei nº 6.379/96; 643, § 4º, II e 646 do RICMS/PB, in verbis:
Lei nº 6.379/96:
Art. 3º O imposto incide sobre:
(...)
§ 8º O fato de a escrituração indicar insuficiência de caixa e bancos, suprimentos a caixa e bancos não comprovados ou a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes, bem como a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas ou de declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito, autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou de prestações de serviços sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção.
§ 9º A presunção de que cuida o § 8º, aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, assim como a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados ou Vendidos, conforme o caso.
RICMS/PB:
Art. 643. No interesse da Fazenda Estadual, será procedido exame nas escritas fiscal e contábil das pessoas sujeitas à fiscalização, especialmente no que tange à exatidão dos lançamentos e recolhimento do imposto, consoante as operações de cada exercício.
(...)
§ 3º No exame da escrita fiscal de contribuinte que não esteja obrigado ao regime de tributação com base no lucro real e tenha optado por outro sistema de apuração de lucro, nos termos da legislação do Imposto sobre Renda e Proventos de Qualquer Natureza, será exigido livro Caixa, com a escrituração analítica dos recebimentos e pagamentos ocorridos em cada mês.
Nova redação dada ao § 3º do art. 643 pelo art. 1º do Decreto nº 32.718/12 (DOE de 25.01.12).
§ 3º No exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular devidamente registrada na Junta Comercial, será exigido o livro Caixa, devidamente autenticado pela repartição fiscal do domicílio do contribuinte, com a escrituração analítica dos recebimentos e pagamentos ocorridos em cada mês.
§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, como mecanismo de aferição no confronto fiscal, será obrigatório:
I - a elaboração de Demonstrativo Financeiro, onde deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas operacionais ou não operacionais, bem como considerada a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e o no final do período fiscalizado;
II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, devendo tal acréscimo satisfazer as despesas arroladas no Demonstrativo Financeiro de que trata o inciso anterior, deste parágrafo, sendo, ainda, vedada a exclusão do ICMS dos estoques, compras e vendas realizadas, prevalecendo tal exclusão apenas para aqueles que mantenham escrita contábil regular.
Nova redação dada ao § 4º do art. 643 pelo art. 1º do Decreto nº 32.718/12 (DOE de 25.01.12).
§ 4º Para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couber, os procedimentos abaixo, dentre outros, cujas repercussões são acolhidas por este Regulamento:
I - a elaboração de Demonstrativo Financeiro, o qual deverá ser aplicado em estabelecimentos que comercializem apenas mercadorias tributáveis, onde deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas operacionais ou não operacionais, bem como considerada a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovadas, no início e no final do período fiscalizado;
Nova redação dada ao inciso I do § 4º do art. 643 pelo art. 1º do Decreto nº 33.047/12 (DOE de 23.06.12).
I - a elaboração de Demonstrativo Financeiro, através do qual deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas, bem como considerada a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e no final do período fiscalizado;
II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24.
(...)
Art. 646. O fato de a escrituração indicar insuficiência de caixa, suprimentos a caixa não comprovados ou a manutenção no passivo, de obrigações já pagas ou inexistentes, bem como a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas ou de declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito, autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis sem pagamento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção.
Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se igualmente a qualquer situação em que a soma das despesas, pagamentos de títulos, salários, retiradas, pró-labore, serviços de terceiros, aquisição de bens em geral e outras aplicações do contribuinte seja superior à receita do estabelecimento.
Nova redação dada ao art. 646 pelo art. 1º do Decreto nº 32.718/12 (DOE de 25.01.12).
Art. 646. O fato de a escrituração indicar insuficiência de caixa e bancos, suprimentos a caixa e bancos não comprovados ou a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes, bem como a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas ou de declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito, autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou de prestações de serviços sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção.
Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, assim como a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados ou Vendidos, conforme o caso.
Nova redação dada ao art. 646 pelo art. 1º do Decreto nº 33.047/12 (DOE de 23.06.12).
Art. 646. Autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou a realização de prestações de serviços tributáveis sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção:
I – o fato de a escrituração indicar:
a) insuficiência de caixa;
b) suprimentos a caixa ou a bancos, não comprovados;
II – a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes;
III – qualquer desembolso não registrado no Caixa;
IV – a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas;
V – declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito.
Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, bem como, a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados , quando da transferência ou venda, conforme o caso.
Por imperativo legal, a constatação desta omissão obriga o auditor fiscal a lançar, de ofício, o crédito tributário decorrente desta infração, tendo em vista a receita marginal originária das saídas omitidas afrontar o disciplinamento contido nos art. 158, I, e art. 160, I, ambos do RICMS/PB, os quais transcrevemos a seguir:
Art. 158. Os contribuintes, excetuados os produtores agropecuários, emitirão Nota Fiscal, modelos 1 ou 1-A, Anexos 15 e 16:
I - sempre que promoverem saída de mercadorias;
Art. 160. A nota fiscal será emitida:
I - antes de iniciada a saída das mercadorias;
Como forma de garantir efetividade ao comando insculpido nos dispositivos anteriormente reproduzidos, a Lei nº 6.379/96, em seu artigo 82, V, “a”, estabeleceu a penalidade aplicável àqueles que violarem as disposições neles contidas.
Art. 82. As multas para as quais se adotará o critério referido no inciso II, do art. 80, serão as seguintes:
(...)
V - de 100% (cem por cento):
a) aos que deixarem de emitir nota fiscal pela entrada ou saída de mercadorias, de venda a consumidor ou de serviço, ou as emitirem sem observância dos requisitos legais;
A presunção de que trata o artigo 646 do RICMS/PB, contudo, é relativa, cabendo ao contribuinte a prova da sua improcedência, conforme prevê a parte final do caput do referido artigo.
Valendo-se do seu direito à ampla defesa e ao contraditório, comparece aos autos a recorrente afirmando que o procedimento fiscal não deve prosperar, uma vez que a recorrente possui contabilidade regular, portanto, a técnica de arbitramento seria inaplicável. Na impugnação apresenta os livros contábeis com registro da junta comercial de 28 de abril de 2014, posterior à ciência do Termo de Início de Fiscalização que se deu em 8 de abril de 2014, constante às fls. 8 e 9 doas autos.
Apesar de não prosperarem os argumentos recursais, devendo ser aplicado o que preceitua o art. 643, § 7º transcrito abaixo, a denúncia em exame exige uma análise mais minuciosa e que precede a análise probatória.
Art. 643. No interesse da Fazenda Estadual, será procedido exame nas escritas fiscal e contábil das pessoas sujeitas à fiscalização, especialmente no que tange à exatidão dos lançamentos e recolhimento do imposto, consoante as operações de cada exercício.
§ 7º A aceitação das escritas contábil e fiscal para a realização de auditoria e como prova processual junto aos órgãos julgadores administrativos, fica condicionada à apresentação dos livros Diário e Caixa, devidamente autenticados, no prazo estipulado pela fiscalização.
Inicialmente, repiso que a acusação descrita no Auto de Infração teve, como fato motivador, a identificação de omissões de saídas de mercadorias tributáveis, detectadas pela fiscalização quando do levantamento das Contas Mercadorias relativas aos exercícios de 2011 e 2012.
Não podemos perder de vista que a LC nº 123/06, em seu artigo 34, não deixa dúvidas acerca da aplicação das presunções de omissão de receitas para contribuintes do Simples Nacional.
Art. 34. Aplicam-se à microempresa e à empresa de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional todas as presunções de omissão de receita existentes nas legislações de regência dos impostos e contribuições incluídos no Simples Nacional.
Pois bem. A Lei Complementar nº 123/06, em seu artigo 13, § 1º, “f”, determina que, nas operações ou prestações desacobertadas de documento fiscal (omissão de receitas), seja aplicada a legislação tributária atribuída às demais pessoas jurídicas. A clareza do texto normativo não exige do hermeneuta maiores esforços interpretativos. Senão vejamos:
Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
(...)
§ 1o O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:
(...)
XIII - ICMS devido:
(...)
f) na operação ou prestação desacobertada de documento fiscal; (g. n.)
O comando insculpido no dispositivo acima transcrito não deixa dúvidas quanto à necessidade de deslocamento da sistemática de apuração do ICMS para o regime geral quando o contribuinte, enquadrado como Simples Nacional, realiza quaisquer das condutas descritas no inciso XIII do § 1º do artigo 13, da Lei Complementar nº 123/2006.
É exatamente esta a regra adotada quando, por exemplo, o Simples Nacional atua como substituto tributário ou quando realiza uma operação de importação. Em todos estes casos (incluindo a conduta descrita no Auto de Infração), deve-se observar a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas.
Ressalte-se que não estamos diante de um conflito aparente de normas, muito menos de aplicação de lei mais gravosa ao contribuinte. É o próprio princípio da especialidade (observância à LC nº 123/06) que impõe aos destinatários da norma a obrigatoriedade de observar as regras gerais, sempre que o contribuinte realizar uma conduta que se amolde perfeitamente às situações descritas no artigo 13, § 1º, XIII, da LC nº 123/06 (fenômeno da subsunção).
A matéria já fora analisada em diversas oportunidades por este Colegiado, que, de forma reiterada, vem decidindo acerca do afastamento da LC nº 123/06 nos casos em que se constate haver o contribuinte omitido saídas tributadas. Como exemplo, trazemos a ementa do Acórdão CRF n° 390/2013, da lavra do eminente Cons.º Rodrigo Antônio Alves Araújo, que assim dispõe:
RECURSO HIERÁRQUICO PARCIALMENTE PROVIDO - CARTÃO DE CRÉDITO – PRESUNÇÃO LEGAL DE OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTADAS - AJUSTES REALIZADOS NO PERCENTUAL DE MULTA – REFORMADA DECISÃO RECORRIDA – AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE.
Quando as vendas de cartão de crédito declaradas pelo contribuinte são inferiores aos valores informados pelas administradoras de cartão de crédito e débito, surge a presunção legal de omissão de saídas de mercadorias tributáveis. “In casu”, o pagamento já realizado em face da notificação para recolhimento do ICMS teve por cerne a alíquota do simples nacional, cabendo a complementação do imposto em razão do novo critério da Secretaria de Estado da Receita, que determinou através da Instrução Normativa nº 009/2013/GSER a observância da legislação aplicável às demais pessoas jurídicas. Redução da multa em decorrência da Lei nº 10.008/2013.
Para demonstrar a perenidade deste entendimento na instância ad quem, reproduzo abaixo o recentíssimo Acórdão nº 91/2019, do ilustre Conselheiro Petrônio Rodrigues Lima:
OMISSÃO DE RECEITAS. LEVANTAMENTO FINANCEIRO. INFRAÇÃO CARACTERIZADA EM PARTE. SIMPLES NACIONAL. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL ÀS DEMAIS PESSOAS JURÍDICAS. MULTA RECIDIVA. INAPLICÁVEL. REINCIDÊNCIA NÃO CONFIGURADA. MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA. AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECURSOS HIERÁRQUICO E VOLUNTÁRIO DESPROVIDOS.
- Diferença apurada em Levantamento Financeiro enseja a ocorrência de omissão de saídas tributáveis sem o pagamento do imposto, conforme presunção relativa contida na legislação de regência.
Excluída parte do imposto apurado no Levantamento Financeiro, em razão da ocorrência de prejuízo bruto com mercadorias com substituição tributária, isentas e não tributadas, verificada na Conta Mercadorias, bem como a exclusão de valor referente a notas fiscais não lançadas, que não tinham identificação ou provas documentais de suas existências.
- Na acusação de omissão de saídas de mercadorias tributáveis, em relação a contribuintes optantes pelo regime de recolhimento do imposto pelo Simples Nacional, não comporta aplicação de alíquotas inerentes a este regime de tributação, e sim àquela aplicável às demais pessoas jurídicas, na forma prevista na Lei Complementar nº 123/2006.
- Afastamento da multa recidiva, ante a ausência dos requisitos legais para a sua aplicação.
Não obstante o fato de restar demonstrada a possibilidade de se exigir, de contribuinte enquadrado como Simples Nacional, ICMS em razão de omissão de receitas, vislumbro, no caso em tela, uma questão de essencial relevância que prejudicou o lançamento em sua integralidade, a saber: a técnica aplicada.
Em diversos momentos, o Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba se posicionou pela admissibilidade da Conta Mercadorias como técnica de fiscalização válida para fundamentar a denúncia de omissão de receitas. É fato.
O aprofundamento das discussões nesta Casa, aliado ao aprimoramento e ao melhor embasamento das defesas administrativas, minaram a certeza anteriormente existente e exigiram uma mudança de entendimento quanto à matéria, ao menos por parte desta relatoria.
Imperativo salientarmos mais uma vez que o que se está a discutir não é a omissão em si, mas a técnica da Conta Mercadorias para contribuinte do Simples Nacional, pelo fato de a LC nº 123/06 se mostrar incompatível com o procedimento realizado pela auditoria.
Em tempo: para os demais contribuintes, a técnica revela-se plenamente eficaz, apropriada e dotada de validade jurídica para embasar a acusação. O alcance deste entendimento é, portanto, hermético, não autorizando ampliações para situações outras.
Noutras palavras, o que se está a buscar é a compatibilização da legislação estadual com a Lei Complementar nº 123/06.
Assim como recorremos à lei especial para justificar a possibilidade de aplicação da legislação afeta às demais pessoas jurídicas para os casos de omissão de receitas, também o fazemos para sustentar a imprestabilidade da técnica utilizada (Conta Mercadorias) para dar arrimo à acusação em comento.
É cediço que a LC nº 123/06 instituiu tratamento diferenciado para os contribuintes que se amoldarem às condições nela estabelecidas e fizerem opção por este regime diferenciado. Neste norte, a partir da inclusão do contribuinte na sistemática do Simples Nacional, o regramento especial passa a produzir efeitos para o sujeito passivo, assim como para o Fisco. Não se quer dizer com isso que os demais normativos não lhe sejam aplicáveis. O que se afirma é que se deve observar se a norma se harmoniza com a LC nº 123/06.
Posto de outra forma - e já adentrando no caso concreto -, para que se possa validar o procedimento fiscal que resultou na identificação de omissão de receitas, faz-se mister analisarmos se os procedimentos da Conta Mercadorias são compatíveis com o regramento especial.
Já destacamos alhures que a jurisprudência desta Corte respondera afirmativamente; todavia, esmiuçando a questão sob o prisma eminentemente jurídico, entendo necessária a reforma deste posicionamento.
O RICMS/PB, em seu artigo 643, §§ 3º e § 4º, disciplina que, no exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular devidamente registrada na Junta Comercial, para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couberem, os seguintes procedimentos:
a) Elaboração de Demonstrativo Financeiro, através do qual deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas, bem como a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e no final do período fiscalizado;
b) Levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24.
Ao dispor acerca deste último procedimento, o RICMS/PB, ao estabelecer percentual (30%) a ser acrescido ao Custo de Mercadorias Vendidas, mostra-se claramente em dissonância com a sistemática estabelecida pela LC nº 123/06.
Importante destacarmos que o RICMS/PB é anterior à LC nº 123/06. Também convém salientarmos que, além de hierarquicamente superior àquele, esta última dispõe sobre matéria de conteúdo especial.
Destarte, sob qualquer princípio que se analise (hierárquico, cronológico ou da especialidade), deve prevalecer a LC nº 123/06, afastando-se o RICMS/PB, naquilo que se mostrar incompatível com a Lei Complementar.
O contribuinte enquadrado como Simples Nacional recolhe o tributo devido sobre o seu faturamento, em observância ao que estabelece o artigo 18, § 3º, da LC nº 123/06:
Art. 18. O valor devido mensalmente pela microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional será determinado mediante aplicação das alíquotas efetivas, calculadas a partir das alíquotas nominais constantes das tabelas dos Anexos I a V desta Lei Complementar, sobre a base de cálculo de que trata o § 3o deste artigo, observado o disposto no § 15 do art. 3º.
(...)
§ 3º Sobre a receita bruta auferida no mês incidirá a alíquota determinada na forma do caput e dos §§ 1º e 2º deste artigo, podendo tal incidência se dar, à opção do contribuinte, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor, sobre a receita recebida no mês, sendo essa opção irretratável para todo o ano-calendário.
§ 3º Sobre a receita bruta auferida no mês incidirá a alíquota efetiva determinada na forma do caput e dos §§ 1º, 1º-A e 2º deste artigo, podendo tal incidência se dar, à opção do contribuinte, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor, sobre a receita recebida no mês, sendo essa opção irretratável para todo o ano-calendário. (Redação dada pela Lei Complementar nº 155, de 2016)
Destarte, o contribuinte que apura e recolhe o tributo com base nos dispositivos acima reproduzidos, estará em situação regular quanto à obrigação principal à luz da LC nº 123/06.
A cobrança de tributos, por força do que estabelece o artigo 3º do Código Tributário Nacional, é uma atividade administrativa vinculada, não sendo possível ao auditor fiscal agir de forma discricionária.
Esta ressalva se faz necessária para explicar que, no caso em comento, não estamos afastando a aplicabilidade do artigo 643, § 4º, do RICMS/PB, tampouco deixando ao talante da autoridade fiscal a possibilidade de “escolher” quando utilizá-la. Uma análise mais atenta do dispositivo citado nos permite concluir que a solução para a questão extrai-se do § 4º do referido artigo. Vejamos:
Art. 643. No interesse da Fazenda Estadual, será procedido exame nas escritas fiscal e contábil das pessoas sujeitas à fiscalização, especialmente no que tange à exatidão dos lançamentos e recolhimento do imposto, consoante as operações de cada exercício.
(...)
§ 3º No exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular devidamente registrada na Junta Comercial, será exigido o livro Caixa, devidamente autenticado pela repartição fiscal do domicílio do contribuinte, com a escrituração analítica dos recebimentos e pagamentos ocorridos em cada mês.
§ 4º Para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couber, os procedimentos abaixo, dentre outros, cujas repercussões são acolhidas por este Regulamento:
I - a elaboração de Demonstrativo Financeiro, através do qual deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas, bem como considerada a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e no final do período fiscalizado;
II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24. (g. n.)
Partindo do princípio de que a lei não contém palavras inúteis, a expressão “onde couber” indica que os procedimentos previstos nos inciso I e II do § 4º do artigo 643 do RICMS/PB não são obrigatórios para todo e qualquer exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular.
Este comando, portanto, não é taxativo e não vincula o auditor fiscal a adotá-los em todas as situações, mas somente nos casos em que “couberem”.
O contribuinte enquadrado como Simples Nacional, como já demonstrado, possui características e regramento próprios, o que o coloca em situação especial, não permitindo a utilização de margem de lucro presumido para fins de surgimento da presunção juris tantum de omissão de receitas.
Na LC nº 123/06, não há qualquer exigência neste sentido para fins de tributação. Apenas no inciso X do seu artigo 29 consta uma referência ao lucro bruto – ainda que de forma indireta -, contudo para efeito de exclusão do regime.
Art. 29. A exclusão de ofício das empresas optantes pelo Simples Nacional dar-se-á quando:
(...)
X – for constatado que durante o ano-calendário o valor das aquisições de mercadorias para comercialização ou industrialização, ressalvadas hipóteses justificadas de aumento de estoque, for superior a 80% (oitenta por cento) dos ingressos de recursos no mesmo período, excluído o ano de início de atividade;
Somente depois de excluído do Simples Nacional, o Fisco está autorizado a lançar mão da Conta Mercadorias – Lucro Presumido para aqueles que não detenham escrita contábil, o que não implica dizer que o contribuinte, enquanto enquadrado na sistemática da LC nº 123/06, esteja “blindado”. A fiscalização tem o poder-dever de verificar a regularidade das operações do contribuinte, utilizando-se, para tanto, dos demais recursos de que dispõe para cumprir o seu mister.
Diante de todo o exposto, resta-me improceder a denúncia de omissão de saídas de mercadorias tributáveis – Conta Mercadorias.
Quanto à segunda infração de “OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – LEVANTAMENTO FINANCEIRO” temos a dizer que não podemos considerar os livros contábeis apresentados pois não são documentos hábeis a comprovar a regular contabilidade da recorrente, tendo em vista, terem sido autenticados e apresentados fora do prazo regulamentar, como expressamente regulamentado no art. 643, §7º do RICMS-PB, transcrito acima.
Destarte, feitos os ajustes necessários, o crédito tributário efetivamente devido pela recorrente evidenciou-se conforme a planilha abaixo:
Dessa forma, venho a receber os presentes embargos de declaração, para reformar, de ofício, os termos da decisão proferida na instância singular.
Por tudo o exposto,
VOTO pelo recebimento do recurso de embargos de declaração, por regular e tempestivo e, no mérito, pelo seu desprovimento, para reformar, de ofício, a decisão exarada no Acordão nº 697/2018, e julgar parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00000960/2014-10, lavrado em 10/6/2014, contra a empresa FRANCISCA DO AMARAL XAVIER ME, inscrição estadual nº 16.110.278-6, devidamente qualificada nos autos, condenando-a ao pagamento do crédito tributário no montante de R$ 24.190,04 (vinte e quatro mil, cento e noventa reais e quatro centavos), sendo R$ 12.095,02 (doze mil, noventa e cinco reais e dois centavos) de ICMS com fundamento no art. 158, I, 160, I, c/fulcro no art. 646, parágrafo único, do RICMS-PB, aprovado pelo Decreto 18.930/97 e R$ 12.095,02 (doze mil, noventa e cinco reais e dois centavos) a título de multa com arrimo no art, 82, V “f” da Lei nº 6.379/96.
Ao tempo em que cancelo por indevido o montante de R$ 78.508,64 (setenta e oito mil, quinhentos e oito reais e sessenta e quatro centavos), sendo R$ 39.254,32 (trinta e nove mil, duzentos e cinquenta e quatro reais e trinta e dois centavos) a título de ICMS e o mesmo montante a título de multa.
Segunda Câmara, Sala de Sessões, Presidente Gildemar Pereira de Macedo, em 26 de julho de 2019.
DAYSE ANNYEDJA GONÇALVES CHAVES
Conselheira Relatora
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