ACÓRDÃO Nº 000150/2020 PROCESSO Nº 1709902015-3
ESTADO DA PARAÍBA
SECRETARIA DE ESTADO DA RECEITA
Processo nº 1709902015-3
SEGUNDA CÂMARA DE JULGAMENTO
Recorrente: GERÊNCIA EXECUTIVA DE JULG. DE PROCESSOS FISCAIS - GEJUP
Recorrida: IRAKMARIA DA COSTA VIEIRA ME
Preparadora: CENTRO DE ATENDIMENTO AO CIDADÃO DA GR1 DA SEFAZ – JOÃO PESSOA
Autuante: JOSE WALTER DE SOUSA CARVALHO
Relatora: CONS.ª MAÍRA CATÃO DA CUNHA CAVALCANTI SIMÕES
OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS –– CONTA MERCADORIAS – DENÚNCIA NÃO CONFIGURADA – ALTERADA A DECISÃO RECORRIDA QUANTO ÀS RAZÕES DE DECIDIR – AUTO DE INFRAÇÃO IMPROCEDENTE – RECURSO HIERÁRQUICO DESPROVIDO
- A técnica da Conta Mercadorias – Lucro Presumido não é aplicável para contribuinte do Simples Nacional, uma vez que o arbitramento de lucro bruto se evidencia incompatível e em total dissonância com o que estabelece a Lei Complementar nº 123/06. O contribuinte enquadrado como Simples Nacional possui características e regramento próprios, o que o coloca em situação especial, não permitindo a utilização de margem de lucro presumido para fins de surgimento da presunção juris tantum de omissão de receitas.
Vistos, relatados e discutidos os autos deste Processo, etc...
A C O R D A M os membros da Segunda Câmara de Julgamento deste Conselho de Recursos Fiscais, à unanimidade e de acordo com o voto do VOTO pelo recebimento do recurso de ofício, por regular e, quanto ao mérito, pelo seu desprovimento, contudo, altero de ofício a decisão monocrática, quanto às suas razões, mantendo improcedente o Auto de Infração nº 93300008.09.00002346/2015-74 lavrado em 14 de dezembro de 2015 contra a empresa IRAKMARIA DA COSTA VIEIRA ME, eximindo-a de quaisquer ônus decorrentes do presente processo.
Intimações necessárias a cargo da repartição, na forma regulamentar.
P.R.E.
Segunda Câmara de Julgamento, Sessão realizada por meio de videoconferência, em 5 de junho de 2020.
MAÍRA CATÃO DA CUNHA CAVALCANTI SIMÕES
Conselheira Relatora
GIANNI CUNHA DA SILVEIRA CAVALCANTE
Presidente
Participaram do presente julgamento os membros da Segunda Câmara de Julgamento, DAYSE ANNYEDJA GONÇALVES CHAVES, SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA e PETRÔNIO RODRIGUES LIMA.
FRANCISCO GLAUBERTO BEZERRA JÚNIOR
Assessor Jurídico
Relatório
Trata-se de recurso de ofício interposto nos moldes do artigo 80 da Lei nº 10.094/2013 contra decisão monocrática que julgou improcedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00002346/2015-74 lavrado em 14 de dezembro de 2015 em desfavor da empresa IRAKMARIA DA COSTA VIEIRA ME, inscrição estadual nº 16.158.975-8
Na referida peça acusatória, consta a seguinte acusação, ipsis litteris:
OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS >> Contrariando dispositivos legais, o contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis, resultando na falta de recolhimento do ICMS. Irregularidade esta detectada através do levantamento Conta Mercadorias.
Em decorrência deste fato, o representante fazendário, considerando haver o contribuinte infringido os artigos 158, I; 160, I; c/ fulcro nos artigos 643, § 4º, II e 646, todos do RICMS/PB, lançou um crédito tributário na quantia total de R$ 954.890,78 (novecentos e cinquenta e quatro mil, oitocentos e noventa reais e setenta e oito centavos), sendo R$ 477.445,39 (quatrocentos e setenta e sete mil, quatrocentos e quarenta e cinco reais e trinta e nove centavos) de ICMS e R$ 477.445,39 (quatrocentos e setenta e sete mil, quatrocentos e quarenta e cinco reais e trinta e nove centavos) a título de multa por infração, com fulcro no artigo 82, V, “a”, da Lei nº 6.379/96.
Documentos instrutórios às fls. 9 a 21.
Depois de cientificada, pessoalmente, em 11 de janeiro de 2016, nos termos do artigo 46, I, da Lei nº 10.094/13, a autuada apresentou impugnação tempestiva contra os lançamentos dos créditos tributários consignados no Auto de Infração em análise (fls. 27 a 31), protocolada em 10 de fevereiro de 2016, por meio da qual afirma que:
a) Não foi dada a oportunidade de a empresa tomar conhecimento de suas irregularidades durante o procedimento fiscal, sob a forma de notificação, conforme preceitua a Instrução Normativa GSER 15/2012 e o art. 694, inciso, IV, §1º do RICMS/PB, de modo que a empresa pudesse efetuar as devidas regularizações antes da lavratura do auto de infração;
b) A fiscalização considerou o estoque final zerado, sendo impossível tal situação pois, no mês de dezembro que a empresa possui o maior estoque já se preparando para o período de voltas às aulas que se dá em janeiro e fevereiro;
c) Fazendo um levantamento pelas entradas e saídas com estimativa de valor das vendas com um mínimo em 30% do CMV temos um estoque final em 31/12/2014 de aproximadamente R$ 2.236.099,89 (dois milhões, duzentos e trinta e seis mil, noventa e nove reais e oitenta e nove centavos), conforme relatório de estimativa de estoque em anexo (anexo 4);
d) Tanto o estoque quanto os levantamentos foram observados de maneira isolada por estabelecimento, não sendo visto a questão do caixa único, nem o estoque global do grupo, ou seja, considerando a Matriz e suas Filiais.
Considerando as informações apresentadas, a autuada requereu a improcedência do Auto de Infração nº 93300008.09.00002346/2015-74, a realização de diligência em todo seu grupo de empresas e a dilação de prazo para apresentar documentação comprobatória, que atestará a conformidade de suas operações.
Documentos Instrutórios inseridos às fls. 34 a 42.
Sem informação de existência de antecedentes fiscais (fls. 43), foram os autos conclusos (fls. 44) e remetidos à Gerência Executiva de Julgamento de Processos Fiscais, onde foram distribuídos ao julgador fiscal Francisco Nociti, que decidiu pela improcedência da exigência fiscal, nos termos da seguinte ementa:
OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS – IMPROCEDÊNCIA.
- Denegado pedido de diligência porquanto o material trazido aos autos é suficiente para caracteriza o ilícito tributário.
- Rejeitado pedido de dilação de prazo para apresentação de documentos comprobatórios, pois o prazo para a apresentação da defesa é peremptório.
- Ajustes realizados na Conta Mercadorias, em virtude do estoque final constante na Declaração de Informações Socioeconômicas e Fiscais (DEFIS) do contribuinte acarretou Lucro Bruto Apurado com Mercadorias com Tributação Normal suficiente para atender o disposto no art. 643, §4º, II, do RICMS/PB – o que fez sucumbir a acusação.
AUTO DE INFRAÇÃO IMPROCEDENTE
Em observância ao disposto no artigo 80 da Lei nº 10.094/13, o julgador fiscal recorreu de sua decisão.
Cientificada da decisão proferida pela instância prima em 20 de fevereiro de 2019, nos termos do artigo 11, § 3º, IV, da Lei nº 10.094/13, a autuada não mais se manifestou nos autos.
Remetidos ao Conselho de Recursos Fiscais, foram os autos distribuídos a esta relatoria, segundo os critérios regimentais, para apreciação e julgamento.
Eis o relatório.
VOTO |
A quaestio juris versa sobre a denúncia de omissão de saídas de mercadorias tributáveis – Conta Mercadorias no exercício de 2014, formalizada contra a empresa IRAKMARIA DA COSTA VIEIRA.
Esta conduta, nos termos da legislação de regência, fez surgir a presunção de omissão de saídas pretéritas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto correspondente, fato este que motivou o lançamento de ofício.
É notório que o Levantamento da Conta Mercadorias, tem a finalidade de aferir a margem mínima de lucro alcançada pelo contribuinte, e, através da análise do estoque inicial e final de cada período, obtêm-se elementos necessários à apuração de irregularidades.
A Conta Mercadorias – Lucro Presumido é uma técnica fiscal que se aplica aos casos em que o contribuinte não possui contabilidade regular, circunstância em que se arbitra o lucro de 30% (trinta por cento) sobre o Custo das Mercadorias Vendidas - CMV. Caso o valor das vendas seja inferior ao CMV acrescido deste percentual de lucro, a legislação tributária estadual autoriza a fiscalização a lançar mão da presunção de que houve saídas de mercadorias tributáveis sem pagamento do imposto, nos termos do que dispõem os artigos 3º, § 9º, da Lei nº 6.379/96; 643, § 4º, II e 646 do RICMS/PB Reforço que a acusação descrita no Auto de Infração teve, como fato motivador, a identificação de omissões de saídas de mercadorias tributáveis, detectadas pela fiscalização nos exercícios de 2014.
Neste aspecto, a LC nº 123/06, em seu artigo 34, não deixa dúvidas acerca da aplicação das presunções de omissão de receitas para contribuintes do Simples Nacional.
Art. 34. Aplicam-se à microempresa e à empresa de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional todas as presunções de omissão de receita existentes nas legislações de regência dos impostos e contribuições incluídos no Simples Nacional.
Pois bem, entendo que a própria Lei Complementar nº 123/06, em seu artigo 13, § 1º, “f”, ofereceu solução clara para a questão, ao determinar que, nas operações ou prestações desacobertadas de documento fiscal (omissão de receitas), seja aplicada a legislação tributária atribuída às demais pessoas jurídicas. A clareza do texto normativo não exige do hermeneuta maiores esforços interpretativos. Senão vejamos:
Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
(...)
§ 1o O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:
(...)
XIII - ICMS devido:
(...)
f) na operação ou prestação desacobertada de documento fiscal; (g. n.)
O comando insculpido no caput do dispositivo acima transcrito determina a necessidade de deslocamento da sistemática de apuração do ICMS para o regime geral quando o contribuinte, enquadrado como Simples Nacional, realiza quaisquer das condutas descritas no inciso XIII do § 1º do artigo 13, da Lei Complementar nº 123/2006.
É exatamente esta a regra adotada quando, por exemplo, o Simples Nacional atua como substituto tributário ou quando realiza uma operação de importação. Em todos estes casos (incluindo a conduta descrita no Auto de Infração), deve-se observar a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas.
Ressalte-se que não estamos diante de um conflito aparente de normas, muito menos de aplicação de lei mais gravosa ao contribuinte. É o próprio princípio da especialidade que impõe aos destinatários da norma a obrigatoriedade de observar as regras gerais, sempre que o contribuinte realizar uma conduta que se amolde perfeitamente às situações descritas no artigo 13, § 1º, XIII, da LC nº 123/06 (fenômeno da subsunção).
Para demonstrar a perenidade deste entendimento na instância ad quem, reproduzo abaixo o recentíssimo Acórdão nº 91/2019, do ilustre Conselheiro Petrônio Rodrigues Lima:
OMISSÃO DE RECEITAS. LEVANTAMENTO FINANCEIRO. INFRAÇÃO CARACTERIZADA EM PARTE. SIMPLES NACIONAL. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL ÀS DEMAIS PESSOAS JURÍDICAS. MULTA RECIDIVA. INAPLICÁVEL. REINCIDÊNCIA NÃO CONFIGURADA. MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA. AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE. RECURSOS HIERÁRQUICO E VOLUNTÁRIO DESPROVIDOS.
- Diferença apurada em Levantamento Financeiro enseja a ocorrência de omissão de saídas tributáveis sem o pagamento do imposto, conforme presunção relativa contida na legislação de regência.
Excluída parte do imposto apurado no Levantamento Financeiro, em razão da ocorrência de prejuízo bruto com mercadorias com substituição tributária, isentas e não tributadas, verificada na Conta Mercadorias, bem como a exclusão de valor referente a notas fiscais não lançadas, que não tinham identificação ou provas documentais de suas existências.
- Na acusação de omissão de saídas de mercadorias tributáveis, em relação a contribuintes optantes pelo regime de recolhimento do imposto pelo Simples Nacional, não comporta aplicação de alíquotas inerentes a este regime de tributação, e sim àquela aplicável às demais pessoas jurídicas, na forma prevista na Lei Complementar nº 123/2006.
- Afastamento da multa recidiva, ante a ausência dos requisitos legais para a sua aplicação.
Apesar de se poder exigir dos enquadrado como Simples Nacional o ICMS em razão de omissão de receitas, no caso da denúncia em exame, a técnica aplicada para apuração da omissão prejudicou inteiramente o lançamento.
Em momentos pretéritos, o Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba se posicionou pela admissibilidade da Conta Mercadorias como técnica de fiscalização válida para fundamentar a denúncia de omissão de receitas. É fato.
O aprofundamento das discussões nesta Casa, aliado ao aprimoramento e ao melhor embasamento das defesas administrativas, minaram a certeza anteriormente existente e exigiram uma mudança de entendimento quanto à matéria.
Imperativo salientar, mais uma vez, que o que se está a discutir não é a omissão em si, mas a impossibilidade da aplicação da técnica da Conta Mercadorias para apontar a omissão de receitas quanto ao contribuinte do Simples Nacional.
Em tempo: para os demais contribuintes, a técnica revela-se plenamente eficaz, apropriada e dotada de validade jurídica para embasar a acusação. O alcance deste entendimento é, portanto, hermético, não autorizando ampliações para situações outras.
Pelo que já foi exposto e diante dos fatos, observa-se que, sendo contribuinte enquadrado no sistema do SIMPLES NACIONAL, a apuração do ICMS, nos moldes em que os demais contribuinte do tributo realizam, não é exigida. A Lei Complementar n. º 123/06 afasta a aplicação das exigências contidas no RICMS/PB para impor apenas a obrigação de o contribuinte oferecer sua Receita Bruta à tributação, com a aplicação da alíquota do SIMPLES NACIONAL cabível ao seu perfil, para que se considere encerrada a fase de tributação.
Somente se excluído do Simples Nacional, o Fisco está autorizado a lançar mão da Conta Mercadorias – Lucro Presumido para aqueles que não detenham escrita contábil, o que não implica dizer que o contribuinte, enquanto enquadrado na sistemática da LC nº 123/06, esteja “blindado”. A fiscalização tem o poder-dever de verificar a regularidade das operações do contribuinte, utilizando-se, para tanto, dos demais recursos de que dispõe para cumprir o seu mister.
Apesar de entender pela insustentabilidade do crédito tributário em análise, discordo da primeira instância quanto à sua razão de decidir, pelo que julgo improcedente a denúncia de omissão de saídas de mercadorias tributáveis – Conta Mercadorias.
Com estes fundamentos,
VOTO pelo recebimento do recurso de ofício, por regular e, quanto ao mérito, pelo seu desprovimento, contudo, altero de ofício a decisão monocrática, quanto às suas razões, mantendo improcedente o Auto de Infração nº 93300008.09.00002346/2015-74 lavrado em 14 de dezembro de 2015 contra a empresa IRAKMARIA DA COSTA VIEIRA ME, eximindo-a de quaisquer ônus decorrentes do presente processo.
Intimações necessárias a cargo da repartição, na forma regulamentar.
[1] Redações vigentes à época dos fatos.
Segunda Câmara de Julgamento, sessão realizada por meio de videoconferência, em 4 de junho de 2020.
Maíra Catão da Cunha Cavalcanti Simões
Conselheira Relatora
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