ACÓRDÃO Nº 000178/2020 PROCESSO Nº 0900362015-6
ESTADO DA PARAÍBA
SECRETARIA DE ESTADO DA RECEITA
Processo nº 0900362015-6
SEGUNDA CÂMARA DE JULGAMENTO
Recorrente: GERÊNCIA EXECUTIVA DE JULG. DE PROCESSOS FISCAIS – GEJUP
Recorrida: HAILTON SOUSA FERNANDES ME
Preparadora: CENTRO DE ATENDIMENTO AO CIDADÃO DA GR3 DA SEFAZ – CAMPINA GRANDE
Autuante: HÉLIO VASCONCELOS
Relator: CONS.º SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA
OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS –– CONTA MERCADORIAS – INAPLICABILIDADE DA TÉCNICA PARA CONTRIBUINTES DO SIMPLES NACIONAL – IMPROCEDÊNCIA DA ACUSAÇÃO – OPERAÇÃO CARTÃO DE CRÉDITO E/OU DÉBITO – INFRAÇÃO CARACTERIZADA - ALTERADA A DECISÃO RECORRIDA – AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE – RECURSO DE OFÍCIO PARCIALMENTE PROVIDO.
- A técnica da Conta Mercadorias – Lucro Presumido não é aplicável para contribuinte do Simples Nacional, uma vez que o arbitramento de lucro bruto se evidencia incompatível e em total dissonância com o que estabelece a Lei Complementar nº 123/06. O contribuinte enquadrado como Simples Nacional possui características e regramento próprios, que o coloca em situação especial, não permitindo a utilização de margem de lucro presumido para fins de surgimento da presunção juris tantum de omissão de receitas.
- Configura omissão de saídas de mercadorias tributáveis o fato de o contribuinte declarar ao Fisco vendas em valores inferiores àqueles informados pelas administradoras de cartão de crédito e/ou débito, de acordo com a legislação de regência.
Vistos, relatados e discutidos os autos deste Processo, etc...
A C O R D A M os membros da Segunda Câmara de Julgamento deste Conselho de Recursos Fiscais, à unanimidade e de acordo com o voto do VOTO pelo recebimento do recurso hierárquico, por regular, e, quanto ao mérito, pelo seu parcial provimento, para alterar a decisão monocrática que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00001018/2015-50, lavrado em 30 de junho de 2015 em desfavor da empresa HAILTON SOUSA FERNANDES ME, declarando devido o crédito tributário no valor de R$ 13.286,18 (treze mil, duzentos e oitenta e seis reais e dezoito centavos), sendo R$ 6.643,09 (seis mil, seiscentos e quarenta e três reais e nove centavos) de ICMS, por infringência aos artigos 158, I e 160, I c/c 646, V, todos do RICMS/PB e R$ 6.643,09 (seis mil, seiscentos e quarenta e três reais e nove centavos) de multa, nos termos do artigo 82, V, “a”, da Lei n° 6.379/96. Ao mesmo tempo, cancelo, por indevido, o valor de R$ 451.379,44 (quatrocentos e cinquenta e um mil, trezentos e setenta e nove reais e quarenta e quatro centavos), sendo R$ 225.689,72 (duzentos e vinte e cinco mil, seiscentos e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos) de ICMS e R$ 225.689,72 (duzentos e vinte e cinco mil, seiscentos e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos) de multa por infração. Intimações a cargo da repartição preparadora, na forma regulamentar.
P.R.I.
Segunda Câmara de Julgamento, Sessão realizada por meio de videoconferência, em 22 de junho de 2020.
SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA
Conselheiro Relator
GIANNI CUNHA DA SILVEIRA CAVALCANTE
Presidente
Participaram do presente julgamento os membros da Segunda Câmara de Julgamento, PETRÔNIO RODRIGUES LIMA, DAYSE ANNYEDJA GONÇALVES CHAVES e MAÍRA CATÃO DA CUNHA CAVALCANTI SIMÕES.
FRANCISCO GLAUBERTO BEZERRA JÚNIOR
Assessor Jurídico
Relatório
Em análise, neste egrégio Conselho de Recursos Fiscais, o recurso de ofício interposto contra a decisão monocrática que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00001018/2015-50, lavrado em 30 de junho de 2015 contra a empresa HAILTON SOUSA FERNANDES ME, inscrição estadual nº 16.193.846-9.
Na referida peça acusatória, constam as seguintes denúncias, ipsis litteris:
0027 – OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS >> Contrariando dispositivos legais, o contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis, resultando na falta de recolhimento do ICMS. Irregularidade esta detectada através do levantamento Conta Mercadorias.
0563 – OMISSÃO DE VENDAS – OPERAÇÃO CARTÃO DE CRÉDITO E DÉBITO >> Contrariando dispositivos legais, o contribuinte omitiu saídas de mercadorias tributáveis sem o pagamento do imposto devido por ter declarado o valor de suas vendas tributáveis em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito e débito.
Em decorrência destes fatos, o representante fazendário, considerando haver o contribuinte infringido os artigos 158, I; 160, I c/ fulcro nos artigos 643, § 4º, II e 646, todos do RICMS/PB, lançou um crédito tributário na quantia total de R$ 464.665,62 (quatrocentos e sessenta e quatro mil, seiscentos e sessenta e cinco reais e sessenta e dois centavos), sendo R$ 232.332,81 (duzentos e trinta e dois mil, trezentos e trinta e dois reais e oitenta e um centavos) de ICMS e R$ 232.332,81 (duzentos e trinta e dois mil, trezentos e trinta e dois reais e oitenta e um centavos) a título de multas por infração, com arrimo no artigo 82, V, “a”, da Lei nº 6.379/96.
Documentos instrutórios às fls. 4 a 108.
Depois de cientificada por via postal em 6 de julho de 2015 (fls. 109), a autuada protocolou, em 4 de agosto de 2015, impugnação tempestiva contra os lançamentos dos créditos tributários consignados no Auto de Infração em análise (fls. 111 e 112), por meio da qual afirma, em síntese, que:
a) A empresa está enquadrada como contribuinte do Simples Nacional;
b) Reconhece a falta de lançamento das notas fiscais relacionadas às fls. 10, 18, 19 e 33;
c) Todas as mercadorias descritas nas notas fiscais apontadas pela fiscalização como não registradas se sujeitam à sistemática da substituição tributária, não havendo, portanto, repercussão tributária com relação ao ICMS;
d) No exercício de 2014, o valor registrado pela fiscalização na rubrica “Saídas de Mercadorias com Tributação Normal” da Conta Mercadorias está equivocado;
e) Para o caso em tela, devem ser aplicadas as alíquotas do Simples Nacional.
Com fulcro nas informações apresentadas pela defesa, a impugnante requereu a anulação do Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00001018/2015-50.
Com informação de inexistência de antecedentes fiscais (fls. 126), foram os autos conclusos (fls. 127) e remetidos à Gerência Executiva de Julgamento de Processos Fiscais, onde foram distribuídos ao julgador fiscal João Lincoln Diniz Borges, que decidiu pela parcial procedência da exigência fiscal, nos termos da seguinte ementa:
OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS. CONTA MERCADORIAS. AJUSTES REALIZADOS. PARCIALIDADE. DIFERENÇA NAS OPERAÇÕES COM CARTÃO DE CRÉDITO E DÉBITO. CONCORRÊNCIA DE INFRAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA
- Parcialidade na acusação de omissão de saídas de mercadorias tributáveis através do Levantamento da Conta Mercadorias, ante a comprovação de erro na apuração dos valores de faturamento de mercadorias no exercício de 2012, mantida a exigência para os demais exercícios, com alíquota interna devida pela legislação aplicada às demais pessoas jurídicas.
- É pacificado o entendimento acerca de irregularidade, quando da constatação de omissão de saídas e mercadorias tributáveis, na ocorrência de diferença entre o valor das vendas declaradas pelo contribuinte em confronto com as informações fornecidas pelas administradoras de cartões de crédito/débito. “In casu” ficou comprovada a ocorrência [sic] de infração entre denúncias de mesma natureza sobre o mesmo exercício fiscalizado.
AUTO DE INFRAÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE
Em observância ao disposto no artigo 80 da Lei nº 10.094/13, o julgador fiscal recorreu de sua decisão a esta instância ad quem.
Cientificado da decisão proferida pela instância prima em 15 de março de 2019, o sujeito passivo não mais se pronunciou nos autos.
Remetidos ao Conselho de Recursos Fiscais, foram os autos distribuídos a esta relatoria, segundo os critérios regimentais, para apreciação e julgamento.
Eis o relatório.
VOTO |
Trata-se de julgamento de Auto de Infração lavrado contra a empresa HAILTON SOUSA FERNANDES ME, que visa à exigência de crédito tributário decorrente de omissões de saídas de mercadorias tributáveis identificadas pela fiscalização nos exercícios de 2012, 2013 e 2014.
Conforme relatado, as infrações foram constatadas por meio da Conta Mercadorias (2012, 2013 e 2014) e da Operação Cartão de Crédito e Débito (2012).
Passemos à análise individualizada das acusações.
OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – CONTA MERCADORIAS
A Conta Mercadorias – Lucro Presumido é uma técnica fiscal que se aplica aos casos em que o contribuinte não possui contabilidade regular, circunstância em que se arbitra o lucro de 30% (trinta por cento) sobre o Custo das Mercadorias Vendidas - CMV. Caso o valor das vendas seja inferior ao CMV acrescido deste percentual de lucro, a legislação tributária estadual autoriza a fiscalização a lançar mão da presunção de que houve saídas de mercadorias tributáveis sem pagamento do imposto, nos termos do que dispõem os artigos 3º, § 9º, da Lei nº 6.379/96; 643, § 4º, II e 646 do RICMS/PB[1], in verbis:
Lei nº 6.379/96:
Art. 3º O imposto incide sobre:
(...)
§ 8º O fato de a escrituração indicar insuficiência de caixa e bancos, suprimentos a caixa e bancos não comprovados ou a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes, bem como a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas ou de declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito, autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou de prestações de serviços sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção.
§ 9º A presunção de que cuida o § 8º, aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, assim como a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados ou Vendidos, conforme o caso.
RICMS/PB:
Art. 643. No interesse da Fazenda Estadual, será procedido exame nas escritas fiscal e contábil das pessoas sujeitas à fiscalização, especialmente no que tange à exatidão dos lançamentos e recolhimento do imposto, consoante as operações de cada exercício.
(...)
§ 3º No exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular devidamente registrada na Junta Comercial, será exigido o livro Caixa, devidamente autenticado pela repartição fiscal do domicílio do contribuinte, com a escrituração analítica dos recebimentos e pagamentos ocorridos em cada mês.
§ 4º Para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couber, os procedimentos abaixo, dentre outros, cujas repercussões são acolhidas por este Regulamento:
I - a elaboração de Demonstrativo Financeiro, através do qual deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas, bem como considerada a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e no final do período fiscalizado;
II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24.
(...)
Art. 646. Autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou a realização de prestações de serviços tributáveis sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção:
I – o fato de a escrituração indicar:
a) insuficiência de caixa;
b) suprimentos a caixa ou a bancos, não comprovados;
II – a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes;
III – qualquer desembolso não registrado no Caixa;
IV – a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas;
V – declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito.
Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, bem como, a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados, quando da transferência ou venda, conforme o caso.
Por imperativo legal, a constatação desta omissão obriga o auditor fiscal a lançar, de ofício, o crédito tributário decorrente desta infração, tendo em vista a receita marginal originária das saídas omitidas afrontar o disciplinamento contido nos art. 158, I, e art. 160, I, ambos do RICMS/PB, os quais transcrevemos a seguir:
Art. 158. Os contribuintes, excetuados os produtores agropecuários, emitirão Nota Fiscal, modelos 1 ou 1-A, Anexos 15 e 16:
I - sempre que promoverem saída de mercadorias;
Art. 160. A nota fiscal será emitida:
I - antes de iniciada a saída das mercadorias;
Como forma de garantir efetividade ao comando insculpido nos dispositivos anteriormente reproduzidos, a Lei nº 6.379/96, em seu artigo 82, V, “a”, estabeleceu a penalidade aplicável àqueles que violarem as disposições neles contidas.
Art. 82. As multas para as quais se adotará o critério referido no inciso II, do art. 80, serão as seguintes:
(...)
V - de 100% (cem por cento):
a) aos que deixarem de emitir nota fiscal pela entrada ou saída de mercadorias, de venda a consumidor ou de serviço, ou as emitirem sem observância dos requisitos legais;
A presunção de que trata o artigo 646 do RICMS/PB, contudo, é relativa, cabendo ao contribuinte a prova da sua improcedência, conforme prevê a parte final do caput do referido artigo.
Valendo-se do seu direito à ampla defesa e ao contraditório, comparece aos autos a autuada, afirmando que o procedimento fiscal que embasou a denúncia (Conta Mercadorias – Lucro Presumido) fora realizado de forma equivocada e aponta algumas supostas inconsistências nos levantamentos promovidos pelo auditor fiscal.
Ao analisar o caderno processual, o julgador fiscal acatou, em parte, as alegações da defesa e reduziu o crédito tributário relativo ao exercício de 2014, mantendo incólumes os valores para os anos de 2012 e 2013.
Não obstante o zelo do julgador singular ao examinar as provas apresentadas pelas partes, entendo, com a devida vênia, que, no caso dos autos, a denúncia em tela exige um exame mais minucioso e que precede à análise probatória.
Primeiramente, devemos observar que, durante o período dos fatos geradores, a autuada estava enquadrada como Simples Nacional, conforme atesta o extrato da consulta ao Dossiê do Contribuinte do Sistema ATF da Secretaria de Estado da Fazenda da Paraíba:
Início |
Término |
Razão social |
Situação cadastral |
Natureza jurídica |
Tipo de estabelecimento |
Tipo de unidade |
Regime de apuração |
Município |
02/02/2012 |
11/07/2016 |
HAILTON SOUSA FERNANDES ME |
ATIVO |
EMPRESÁRIO (INDIVIDUAL) |
MATRIZ |
UNIDADE PRODUTIVA |
SIMPLES NACIONAL |
CAMPINA GRANDE |
11/07/2016 |
12/07/2016 |
HAILTON SOUSA FERNANDES ME |
EM PROCEDIMENTO DE BAIXA |
EMPRESÁRIO (INDIVIDUAL) |
MATRIZ |
UNIDADE PRODUTIVA |
SIMPLES NACIONAL |
CAMPINA GRANDE |
12/07/2016 |
--- |
HAILTON SOUSA FERNANDES ME |
EM PROCEDIMENTO DE BAIXA |
EMPRESÁRIO (INDIVIDUAL) |
MATRIZ |
UNIDADE PRODUTIVA |
NORMAL |
CAMPINA GRANDE |
3 Registro(s) encontrado(s) |
Repiso que a acusação descrita no Auto de Infração teve, como fato motivador, a identificação de omissões de saídas de mercadorias tributáveis, detectadas pela fiscalização quando do levantamento das Contas Mercadorias – Lucro Presumido relativas aos exercícios de 2012, 2013 e 2014.
Não podemos perder de vista que a LC nº 123/06, em seu artigo 34, não deixa dúvidas acerca da aplicação das presunções de omissão de receitas para contribuintes do Simples Nacional.
Art. 34. Aplicam-se à microempresa e à empresa de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional todas as presunções de omissão de receita existentes nas legislações de regência dos impostos e contribuições incluídos no Simples Nacional.
Pois bem. A Lei Complementar nº 123/06, em seu artigo 13, § 1º, “f”, determina que, nas operações ou prestações desacobertadas de documento fiscal (omissão de receitas), seja aplicada a legislação tributária atribuída às demais pessoas jurídicas. A clareza do texto normativo não exige do hermeneuta maiores esforços interpretativos. Senão vejamos:
Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:
(...)
§ 1o O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:
(...)
XIII - ICMS devido:
(...)
f) na operação ou prestação desacobertada de documento fiscal; (g. n.)
O comando insculpido no dispositivo acima transcrito não deixa dúvidas quanto à necessidade de deslocamento da sistemática de apuração do ICMS para o regime geral quando o contribuinte, enquadrado como Simples Nacional, realiza quaisquer das condutas descritas no inciso XIII do § 1º do artigo 13, da Lei Complementar nº 123/2006.
Ressalte-se que não estamos diante de um conflito aparente de normas, muito menos de aplicação de lei mais gravosa ao contribuinte. É o próprio princípio da especialidade (observância à LC nº 123/06) que impõe aos destinatários da norma a obrigatoriedade de observar as regras gerais, sempre que o contribuinte realizar uma conduta que se amolde perfeitamente às situações descritas no artigo 13, § 1º, XIII, da LC nº 123/06 (fenômeno da subsunção).
Não obstante o fato de restar demonstrada a possibilidade de se exigir, de contribuinte enquadrado como Simples Nacional, ICMS em razão de omissão de receitas, vislumbro, no caso em tela, uma questão de essencial relevância que prejudicou o lançamento em sua integralidade, a saber: a técnica aplicada.
Em diversos momentos, o Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba se posicionou pela admissibilidade da Conta Mercadorias como técnica de fiscalização válida para fundamentar a denúncia de omissão de receitas. É fato.
O aprofundamento das discussões nesta Casa, aliado ao aprimoramento e ao melhor embasamento das defesas administrativas, minaram a certeza anteriormente existente e exigiram uma mudança de entendimento quanto à matéria.
Imperativo salientarmos mais uma vez que o que se está a discutir não é a omissão em si, mas a técnica da Conta Mercadorias para contribuinte do Simples Nacional, pelo fato de a LC nº 123/06 se mostrar incompatível com o procedimento realizado pela auditoria.
Em tempo: para os demais contribuintes, a técnica revela-se plenamente eficaz, apropriada e dotada de validade jurídica para embasar a acusação. O alcance deste entendimento é, portanto, hermético, não autorizando ampliações para situações outras.
Noutras palavras, o que se está a buscar é a compatibilização da legislação estadual com a Lei Complementar nº 123/06.
Assim como recorremos à lei especial para justificar a possibilidade de aplicação da legislação afeta às demais pessoas jurídicas para os casos de omissão de receitas, também o fazemos para sustentar a imprestabilidade da técnica utilizada (Conta Mercadorias) para dar arrimo à acusação em comento.
É cediço que a LC nº 123/06 instituiu tratamento diferenciado para os contribuintes que se amoldarem às condições nela estabelecidas e fizerem opção por este regime diferenciado. Neste norte, a partir da inclusão do contribuinte na sistemática do Simples Nacional, o regramento especial passa a produzir efeitos para o sujeito passivo, assim como para o Fisco. Não se quer dizer com isso que os demais normativos não lhe sejam aplicáveis. O que se afirma é que se deve observar se a norma se harmoniza com a LC nº 123/06.
Posto de outra forma - e já adentrando no caso concreto -, para que se possa validar o procedimento fiscal que resultou na identificação de omissão de receitas, faz-se mister analisarmos se os procedimentos da Conta Mercadorias são compatíveis com o regramento especial.
Já destacamos alhures que a jurisprudência desta Corte respondera afirmativamente; todavia, esmiuçando a questão sob o prisma eminentemente jurídico, entendo necessária a reforma deste posicionamento.
O RICMS/PB, em seu artigo 643, §§ 3º e § 4º, disciplina que, no exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular devidamente registrada na Junta Comercial, para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couberem, os seguintes procedimentos:
a) Elaboração de Demonstrativo Financeiro, através do qual deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas, bem como a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e no final do período fiscalizado;
b) Levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24, do RICMS/PB.
Ao dispor acerca deste último procedimento, o RICMS/PB, ao estabelecer percentual (30%) a ser acrescido ao Custo de Mercadorias Vendidas, mostra-se claramente em dissonância com a sistemática estabelecida pela LC nº 123/06.
Importante destacarmos que o RICMS/PB é anterior à LC nº 123/06. Também convém salientarmos que, além de hierarquicamente superior àquele, esta última dispõe sobre matéria de conteúdo especial.
Destarte, sob qualquer critério que se analise (hierárquico, cronológico ou da especialidade), deve prevalecer a LC nº 123/06, afastando-se o RICMS/PB, naquilo que se mostrar incompatível com a Lei Complementar.
O contribuinte enquadrado como Simples Nacional recolhe o tributo devido sobre o seu faturamento, em observância ao que estabelece o artigo 18, § 3º, da LC nº 123/06:
Art. 18. O valor devido mensalmente pela microempresa ou empresa de pequeno porte optante pelo Simples Nacional será determinado mediante aplicação das alíquotas efetivas, calculadas a partir das alíquotas nominais constantes das tabelas dos Anexos I a V desta Lei Complementar, sobre a base de cálculo de que trata o § 3o deste artigo, observado o disposto no § 15 do art. 3º.
(...)
§ 3º Sobre a receita bruta auferida no mês incidirá a alíquota determinada na forma do caput e dos §§ 1º e 2º deste artigo, podendo tal incidência se dar, à opção do contribuinte, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor, sobre a receita recebida no mês, sendo essa opção irretratável para todo o ano-calendário.
§ 3º Sobre a receita bruta auferida no mês incidirá a alíquota efetiva determinada na forma do caput e dos §§ 1º, 1º-A e 2º deste artigo, podendo tal incidência se dar, à opção do contribuinte, na forma regulamentada pelo Comitê Gestor, sobre a receita recebida no mês, sendo essa opção irretratável para todo o ano-calendário. (Redação dada pela Lei Complementar nº 155, de 2016)
Destarte, o contribuinte que apura e recolhe o tributo com base nos dispositivos acima reproduzidos, estará em situação regular quanto à obrigação principal à luz da LC nº 123/06.
A cobrança de tributos, por força do que estabelece o artigo 3º do Código Tributário Nacional, é uma atividade administrativa vinculada, não sendo possível ao auditor fiscal agir de forma discricionária.
Esta ressalva se faz necessária para explicar que, no caso em comento, não estamos afastando a aplicabilidade do artigo 643, § 4º, do RICMS/PB, tampouco deixando ao talante da autoridade fiscal a possibilidade de “escolher” quando utilizá-la. Uma análise mais atenta do dispositivo citado nos permite concluir que a solução para a questão se extrai do § 4º do referido artigo. Vejamos:
Art. 643. No interesse da Fazenda Estadual, será procedido exame nas escritas fiscal e contábil das pessoas sujeitas à fiscalização, especialmente no que tange à exatidão dos lançamentos e recolhimento do imposto, consoante as operações de cada exercício.
(...)
§ 3º No exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular devidamente registrada na Junta Comercial, será exigido o livro Caixa, devidamente autenticado pela repartição fiscal do domicílio do contribuinte, com a escrituração analítica dos recebimentos e pagamentos ocorridos em cada mês.
§ 4º Para efeito de aferição da regularidade das operações quanto ao recolhimento do imposto, deverão ser utilizados, onde couber, os procedimentos abaixo, dentre outros, cujas repercussões são acolhidas por este Regulamento:
I - a elaboração de Demonstrativo Financeiro, através do qual deverão ser evidenciadas todas as receitas e despesas, bem como considerada a disponibilidade financeira existente em Caixa e Bancos, devidamente comprovada, no início e no final do período fiscalizado;
II - o levantamento da Conta Mercadorias, caso em que o montante das vendas deverá ser equivalente ao custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido de valor nunca inferior a 30% (trinta por cento) para qualquer tipo de atividade, observado o disposto no inciso III do parágrafo único do art. 24. (g. n.)
Partindo do princípio de que a lei não contém palavras inúteis, a expressão “onde couber” indica que os procedimentos previstos nos incisos I e II do § 4º do artigo 643 do RICMS/PB não são obrigatórios para todo e qualquer exame da escrita fiscal de contribuinte que não mantenha escrituração contábil regular.
Este comando, portanto, não é taxativo e não vincula o auditor fiscal a adotá-los em todas as situações, mas somente nos casos em que “couberem”.
O contribuinte enquadrado como Simples Nacional, como já demonstrado, possui características e regramento próprios, o que o coloca em situação especial, não permitindo a utilização de margem de lucro presumido para fins de surgimento da presunção juris tantum de omissão de receitas.
Na LC nº 123/06, não há qualquer exigência neste sentido para fins de tributação. Apenas no inciso X do seu artigo 29 consta uma referência ao lucro bruto – ainda que de forma indireta -, contudo para efeito de exclusão do regime.
Art. 29. A exclusão de ofício das empresas optantes pelo Simples Nacional dar-se-á quando:
(...)
X – for constatado que durante o ano-calendário o valor das aquisições de mercadorias para comercialização ou industrialização, ressalvadas hipóteses justificadas de aumento de estoque, for superior a 80% (oitenta por cento) dos ingressos de recursos no mesmo período, excluído o ano de início de atividade;
Somente depois de excluído do Simples Nacional, o Fisco está autorizado a lançar mão da Conta Mercadorias – Lucro Presumido para aqueles que não detenham escrita contábil, o que não implica dizer que o contribuinte, enquanto enquadrado na sistemática da LC nº 123/06, esteja “blindado”. A fiscalização tem o poder-dever de verificar a regularidade das operações do contribuinte, utilizando-se, para tanto, dos demais recursos de que dispõe para cumprir o seu mister.
Diante de todo o exposto, resta-me improceder a denúncia de omissão de saídas de mercadorias tributáveis – Conta Mercadorias.
OMISSÃO DE VENDAS – OPERAÇÃO CARTÃO DE CRÉDITO E DÉBITO
Nos trabalhos de auditorias com foco na operação cartão de crédito/débito, o Fisco coteja as vendas declaradas pelos contribuintes à Fazenda Estadual com as informações prestadas pelas administradoras de cartões, com o fito de identificar situações que indiquem, presumivelmente, a ocorrência de omissões de saídas de mercadorias tributáveis sem pagamento do devido tributo, nos termos do que autorizam os artigos 3º, § 8º, da Lei nº 6.379/96 e 646 do RICMS/PB, o que configura violação aos artigos 158, I e 160, I, do RICMSPB, já reproduzidos anteriormente.
Como medida punitiva para aqueles que violarem os dispositivos destacados no parágrafo anterior, a Lei nº 6.379/96, por meio do ser artigo 82, V, “a”, estatuiu a seguinte penalidade:
Art. 82. As multas para as quais se adotará o critério referido no inciso II, do art. 80, serão as seguintes:
(...)
V - de 100% (cem por cento):
Na decisão recorrida, o diligente julgador singular, ao tempo em que reconheceu a procedência da denúncia de Omissão de Saídas – Conta Mercadorias referente ao exercício de 2012, declarou improcedente o crédito tributário concernente à segunda denúncia (Omissão de Vendas – Operação Cartão de Crédito e Débito), uma vez que observara a existência de concorrência entre as infrações.
Considerando o entendimento desta relatoria acerca da insubsistência da primeira denúncia – pelos motivos apresentados quando da sua análise -, faz-se necessário examinarmos se, de fato, procede a segunda acusação.
Para embasar a denúncia, a fiscalização apresentou, às fls. 37, o Detalhamento da Consolidação ECF/TEF X GIM, no qual estão evidenciadas diferenças tributáveis nos meses de janeiro, fevereiro, março, abril, maio, junho, julho e setembro de 2012 em razão da existência de valores declarados pelas operadoras de cartões de crédito e/ou débito em montantes superiores aos informados pelo contribuinte nas declarações enviadas à Secretaria de Estado da Fazenda da Paraíba.
Considerando se tratar de contribuinte do Simples Nacional, consultamos, também, os faturamentos declarados por meio do PGDAS para confirmar se, de fato, a autuada cometeu a infração descrita na inicial. Após a consulta, restou caracterizada a presunção de omissão de vendas, conforme demonstrado na tabela a seguir:
Período |
Valor Informado pelas Administradoras de Cartões (R$) |
Valor Declarado na Gim (R$) |
Total das Receitas Informadas no PGDAS (R$) |
Diferença Tributável (R$) |
jan/12 |
7.416,00 |
0,00 |
0,00 |
7.416,00 |
fev/12 |
4.170,00 |
0,00 |
0,00 |
4.170,00 |
mar/12 |
4.730,00 |
0,00 |
0,00 |
4.730,00 |
abr/12 |
10.040,00 |
0,00 |
0,00 |
10.040,00 |
mai/12 |
12.292,00 |
10.261,00 |
10.261,00 |
2.031,00 |
jun/12 |
10.344,00 |
7.463,00 |
7.463,00 |
2.881,00 |
jul/12 |
10.467,00 |
9.325,00 |
9.325,00 |
1.142,00 |
set/12 |
14.379,00 |
7.712,00 |
7.712,00 |
6.667,00 |
TOTAL (R$) |
73.838,00 |
34.761,00 |
34.761,00 |
39.077,00 |
Com relação a esta acusação, a impugnante não contesta o levantamento fiscal, apenas afirma que a autuação deveria ter sido realizada com base na alíquota do Simples Nacional, o que não se mostra possível, pelos motivos já apresentados quando da análise da denúncia de Omissão de Saídas de Mercadorias Tributáveis – Conta Mercadorias.
Considerando todo o exposto, confirmo a regularidade do lançamento efetuado pela fiscalização a título de Omissão de Vendas – Operação Cartão de Crédito e Débito, declarando procedente o crédito tributário lançado a este título.
Feito os ajustes necessários, o crédito tributário efetivamente devido pela autuada apresentou a seguinte configuração:
|
AUTO DE INFRAÇÃO |
VALOR CANCELADO |
CRÉDITO TRIBUTÁRIO DEVIDO |
|||||
DESCRIÇÃO DA INFRAÇÃO |
PERÍODO |
ICMS (R$) |
MULTA (R$) |
ICMS (R$) |
MULTA (R$) |
ICMS (R$) |
MULTA (R$) |
CRÉDITO TRIBUTÁRIO DEVIDO (R$) |
0027- OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS - CONTA MERCADORIAS |
01/01/2012 a 31/12/2012 |
11.708,37 |
11.708,37 |
11.708,37 |
11.708,37 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
01/01/2013 a 31/12/2013 |
77.131,76 |
77.131,76 |
77.131,76 |
77.131,76 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
|
01/01/2014 a 31/12/2014 |
136.849,59 |
136.849,59 |
136.849,59 |
136.849,59 |
0,00 |
0,00 |
0,00 |
|
0563 - OMISSÃO DE VENDAS - OPERAÇÃO CARTÃO DE CRÉDITO E DÉBITO |
01/01/2012 a 31/12/2012 |
6.643,09 |
6.643,09 |
0,00 |
0,00 |
6.643,09 |
6.643,09 |
13.286,18 |
TOTAL (R$) |
232.332,81 |
232.332,81 |
225.689,72 |
225.689,72 |
6.643,09 |
6.643,09 |
13.286,18 |
Com estes fundamentos,
VOTO pelo recebimento do recurso hierárquico, por regular, e, quanto ao mérito, pelo seu parcial provimento, para alterar a decisão monocrática que julgou parcialmente procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00001018/2015-50, lavrado em 30 de junho de 2015 em desfavor da empresa HAILTON SOUSA FERNANDES ME, declarando devido o crédito tributário no valor de R$ 13.286,18 (treze mil, duzentos e oitenta e seis reais e dezoito centavos), sendo R$ 6.643,09 (seis mil, seiscentos e quarenta e três reais e nove centavos) de ICMS, por infringência aos artigos 158, I e 160, I c/c 646, V, todos do RICMS/PB e R$ 6.643,09 (seis mil, seiscentos e quarenta e três reais e nove centavos) de multa, nos termos do artigo 82, V, “a”, da Lei n° 6.379/96.
Ao mesmo tempo, cancelo, por indevido, o valor de R$ 451.379,44 (quatrocentos e cinquenta e um mil, trezentos e setenta e nove reais e quarenta e quatro centavos), sendo R$ 225.689,72 (duzentos e vinte e cinco mil, seiscentos e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos) de ICMS e R$ 225.689,72 (duzentos e vinte e cinco mil, seiscentos e oitenta e nove reais e setenta e dois centavos) de multa por infração.
Intimações a cargo da repartição preparadora, na forma regulamentar.
[1] Redações vigentes à época dos fatos.
Segunda Câmara de Julgamento, sessão realizada por meio de videoconferência, em 22 de junho de 2020.
Sidney Watson Fagundes da Silva
Conselheiro Relator
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