ACÓRDÃO Nº 000269/2020 PROCESSO Nº 1427032016-8
ESTADO DA PARAÍBA
SECRETARIA DE ESTADO DA RECEITA
Processo nº 1427032016-8
ACÓRDÃO Nº. 269/2020
TRIBUNAL PLENO
Recorrente: MÓVEIS AIAM INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA
Recorrida: GERÊNCIA EXECUTIVA DE JULG. DE PROCESSOS FISCAIS – GEJUP
Preparadora: CENTRO DE ATENDIMENTO AO CIDADÃO DA GR3 DA SEFAZ – CAMPINA GRANDE
Autuante: FÁBIO OLIVEIRA GUERRA
Relator: CONS.º SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA
OMISSÃO DE SAÍDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – SAÍDAS DE MERCADORIAS ABAIXO DO PREÇO DE CUSTO DOS PRODUTOS ACABADOS - INFRAÇÃO CONFIGURADA – AUTO DE INFRAÇÃO PROCEDENTE – MANTIDA A DECISÃO RECORRIDA - RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO.
- A identificação de diferença tributável apurada por meio de levantamento do resultado industrial conduz à presunção de omissão de saídas de mercadorias sem pagamento do imposto devido, em observância ao que estabelecem os artigos 3º, §§ 8º e 9º, da Lei nº 6.379/96 e 645, §§ 1º e 2º e 646, parágrafo único, ambos do RICMS/PB.
- Não há que se falar em arbitramento de base de cálculo quando os documentos e as declarações que embasaram a denúncia se constituem elementos dotados de validade jurídica.
Vistos, relatados e discutidos os autos deste Processo, etc...
A C O R D A M os membros do Tribunal Pleno de Julgamento deste Conselho de Recursos Fiscais, à unanimidade e de acordo com o VOTO pelo recebimento do recurso voluntário, por regular e tempestivo e, quanto ao mérito, pelo seu desprovimento, para manter incólume a decisão monocrática e julgar procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00001850/2016-38, lavrado em 5 de outubro de 2016 contra a empresa MÓVEIS AIAM INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA., condenando-a ao pagamento do crédito tributário no valor total de R$ 1.696.085,26 (um milhão, seiscentos e noventa e seis mil, oitenta e cinco reais e vinte e seis centavos), sendo R$ 848.042,63 (oitocentos e quarenta e oito mil, quarenta e dois reais e sessenta e três centavos) de ICMS, por infringência aos artigos 158, I; 160, I c/c os artigos 645, §§ 1º e 2º e 646, parágrafo único, todos do RICMS/PB e R$ 848.042,63 (oitocentos e quarenta e oito mil, quarenta e dois reais e sessenta e três centavos) de multa por infração, com arrimo no artigo 82, V, “f”, da Lei nº 6.379/96. Intimações necessárias a cargo da repartição preparadora, na forma regulamentar.
P.R.I .
Tribunal Pleno, Sala das Sessões Pres. Gildemar Pereira de Macedo, em 27 de agosto de 2020.
SIDNEY WATSON FAGUNDES DA SILVA
Conselheiro Relator
LEONILSON LINS DE LUCENA
Presidente
Participaram do presente julgamento os membros do Tribunal Pleno de Julgamento, ALEX TAVEIRA DOS SANTO (Suplente), JOSÉ ERIELSON ALMEIDA DO NASCIMENTO (Suplente), PETRÔNIO RODRIGUES LIMA, THAÍS GUIMARÃES TEIXEIRA FONSECA, RODRIGO DE QUEIROZ NÓBREGA, NAYLA COELI DA COSTA BRITO CARVALHO (Suplente), JULIANA FIGUEIREDO E CARVALHO COSTA, LEONARDO DO EGITO PESSOA E PAULO EDUARDO DE FIGUEIREDO CHACON.
SÉRGIO ROBERTO FÉLIX LIMA
Assessor Jurídico
Relatório
Em análise nesta Corte, o recurso voluntário interposto contra decisão monocrática que julgou procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00001850/2016-38, lavrado em 5 de outubro de 2016 em desfavor da empresa MÓVEIS AIAM INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA., inscrição estadual nº 16.144.000-2.
Na referida peça acusatória, consta a seguinte denúncia, ipsis litteris:
0014 – OMISSÃO DE SAÍDAS DE PRODUTOS TRIBUTÁVEIS >> Contrariando dispositivos legais, o contribuinte omitiu saídas de produtos tributáveis, culminando na falta de recolhimento do ICMS, evidenciada pelas saídas de mercadorias ou transferências abaixo do preço de custo dos produtos.
Nota Explicativa:
TAL IRREGULARIDADE SE DEVE AO FATO DOS VALORES DAS SAÍDAS DOS PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS DECLARADOS PELO CONTRIBUINTE, NOS EXERCÍCIOS DE 2013 E 2014, SEREM MENORES DO QUE O CUSTO DE FABRICAÇÃO DOS PRODUTOS VENDIDOS, PRESUMINDO A OMISSÃO DE VENDAS DE PRODUTOS TRIBUTÁVEIS, REDUNDANDO NA FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS.
Em decorrência deste fato, o representante fazendário, considerando haver o contribuinte infringido os artigos 158, I e 160, I c/c os artigos 645, §§ 1º e 2º e 646, parágrafo único, todos do RICMS/PB, lançou um crédito tributário na quantia total de R$ 1.696.085,26 (um milhão, seiscentos e noventa e seis mil, oitenta e cinco reais e vinte e seis centavos), sendo R$ 848.042,63 (oitocentos e quarenta e oito mil, quarenta e dois reais e sessenta e três centavos) de ICMS e R$ 848.042,63 (oitocentos e quarenta e oito mil, quarenta e dois reais e sessenta e três centavos) a título de multa por infração, com arrimo no artigo 82, V, “f”, da Lei nº 6.379/96.
Embasando a denúncia, o auditor fiscal responsável pela autuação anexou à peça acusatória os seguintes documentos:
a) Cópia da Notificação nº 00052726/2016 (fls. 10);
b) Demonstração do Resultado Industrial do exercício de 2013 (fls. 11) e anexos (fls. 12 a 21);
c) Demonstração do Resultado Industrial do exercício de 2014 (fls. 22) e anexos (fls. 23 a 30);
d) Mídia digital (DVD) contendo (fls. 31):
d.1) Arquivos ECD dos exercícios de 2012, 2013 e 2014;
d.2) Arquivos SPED dos anos de 2012, 2013 e 2014;
d.3) Balancetes dos exercícios de 2012, 2013 e 2014;
d.4) Estoques de 2013 e 2014;
d.5) Gastos Gerais de Fabricação de 2013;
d.6) Planilha denominada “Fiscalização Resultado Industrial 2014”;
d.7) Saldos das Contas Totalizações 2013 e 2014.
Depois de cientificada por via postal em 24 de outubro de 2016, conforme atesta o aviso de recebimento AR nº JR 81783834 2 BR anexado às fls. 35, a autuada, por intermédio de seus advogados, apresentou, em 21 de novembro de 2016, impugnação tempestiva contra os lançamentos dos créditos tributários consignados no Auto de Infração em análise (fls. 37 a 52), por meio da qual afirma, em síntese, que:
a) A autoridade fiscal subscritora do Auto de Infração olvidou de acostar ao processo as provas documentais e de qualquer outra natureza quanto aos elementos indiciários que fundamentaram a autuação, sobretudo quanto às informações que fundamentaram a apuração do resultado industrial;
b) A diferença encontrada pelo auditor fiscal entre o preço de custo de industrialização dos produtos e o montante das saídas desses mesmos produtos autoriza, tão somente, a presunção de omissão de saídas tributáveis, mas não o valor dessas saídas, o qual, de acordo com a legislação vigente, deveria ser regularmente arbitrado;
c) Nem a Lei, nem o próprio Regulamento do ICMS, estabelecem que a diferença a menor entre o custo de industrialização dos produtos e o montante das saídas desses mesmos produtos seja um critério de arbitramento da base de cálculo do ICMS na atividade industrial.
Com informação de existência de antecedentes fiscais (fls. 54)[1], foram os autos conclusos (fls. 55) e remetidos à Gerência Executiva de Julgamento de Processos Fiscais – GEJUP, tendo sido distribuídos ao julgador fiscal Leonardo do Egito Pessoa, que decidiu pela procedência da exigência fiscal, nos termos da seguinte ementa, litteris:
VENDAS POR PREÇO ABAIXO DO CUSTO DE PRODUÇÃO. REPERCUSSÃO NO RECOLHIMENTO DO ICMS. PRESUNÇÃO DE OMISSÃO DE VENDAS DE MERCADORIAS TRIBUTÁVEIS – INFRAÇÃO CARACTERIZADA.
- Constituem elementos subsidiários para o cálculo da produção e correspondente pagamento do imposto dos estabelecimentos industriais o valor e quantidade de matérias-primas, produtos intermediários e embalagens adquiridos e empregados na industrialização e acondicionamento dos produtos, a mão-de-obra empregada, os gastos gerais de fabricação e os demais componentes do custo de produção, cujo resultado do custo obtido deve ser confrontado com o valor das saídas tributadas, sendo verificada a saída abaixo do custo de produção será exigido o imposto correspondente a diferença observada.
- Inexistência, nos autos, de documentação comprobatória da regularidade das operações realizadas pela Autuada capaz de produzir o efeito impeditivo da constituição do crédito tributário lançado no Auto de Infração.
AUTO DE INFRAÇÃO PROCEDENTE
Cientificada da decisão proferida pela instância prima em 17 de agosto de 2018 (fls. 67) e inconformada com os termos da sentença, o sujeito passivo protocolou, em 13 de setembro de 2018, recurso voluntário tempestivo ao Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba (fls. 72 a 81), por meio do qual assevera que:
a) O legislador paraibano instituiu, por meio de Lei formal, hipóteses presuntivas de ocorrência do fato gerador do imposto;
b) Em relação ao valor da operação, ou seja, à base de cálculo, deve-se observar o disposto nos artigos 18 e 23 da Lei nº 6.379/96;
c) Não há previsão em lei formal paraibana de que o resultado do Levantamento do Custo Industrial constitua hipótese de presunção de omissão de saídas de mercadorias. Esta presunção está contida apenas no Regulamento do ICMS/PB;
d) A Lei nº 6.379/96 estabelece, nos §§ 8º e 9º do seu art. 3º, os fatos presuntivos geradores da obrigação de pagar o tributo e, do cotejo do citado dispositivo com os §§ 1º e 2º do art. 645 do RICMS/PB, é possível concluir que estes dispositivos inovaram o comando legal permissivo das presunções ao estabelecer que o levantamento do custo industrial também constitui hipótese indiciária do fato gerador do tributo.
Com base nas considerações acima, a recorrente requer:
a) Seja decretada a improcedência do Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00001850/2016-38;
b) Que as intimações e notificações sejam endereçadas ao escritório dos advogados procuradores da recorrente.
Remetidos ao Conselho de Recursos Fiscais, foram os autos distribuídos a esta relatoria, segundo os critérios regimentais, para apreciação e julgamento.
Eis o relatório.
VOTO |
A matéria em apreciação nesta Corte versa sobre a denúncia de omissão de saídas de produtos tributáveis, formalizada contra a empresa MÓVEIS AIAM INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA., já previamente qualificada nos autos.
Segundo consta na peça acusatória, a auditoria, após análise do Resultado Industrial, identificou que, nos exercícios de 2013 e 2014, a autuada promoveu saídas de produtos abaixo do preço de custo, o que, em princípio, denota a ocorrência de repercussão no recolhimento do ICMS, nos termos do que dispõem os artigos 645, §§ 1º e 2º e 646, parágrafo único, ambos do RICMS/PB[2], in verbis:
Art. 645. Constituem elementos subsidiários para o cálculo da produção e correspondente pagamento do imposto dos estabelecimentos industriais o valor e quantidade de matérias-primas, produtos intermediários e embalagens adquiridos e empregados na industrialização e acondicionamento dos produtos, a mão-de-obra empregada, os gastos gerais de fabricação e os demais componentes do custo de produção, assim como as variações dos estoques.
§ 1º Apurada qualquer falta no confronto da produção, resultante do cálculo dos elementos constantes deste artigo com a registrada pelo estabelecimento, exigir-se-á o imposto correspondente.
§ 2º Para a exigência do imposto a que se refere o § 1º deste artigo, ter-se-á em conta que o valor das saídas será, pelo menos, igual ao custo dos produtos fabricados, quando da transferência ou venda, conforme o caso, observado o disposto no parágrafo único do art. 646, deste Regulamento.
Art. 646. Autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou a realização de prestações de serviços tributáveis sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção:
I – o fato de a escrituração indicar:
a) insuficiência de caixa;
b) suprimentos a caixa ou a bancos, não comprovados;
II – a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes;
III – qualquer desembolso não registrado no Caixa;
IV – a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas;
V – declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito.
Parágrafo único. A presunção de que cuida este artigo aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, bem como, a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados, quando da transferência ou venda, conforme o caso. (g. n.)
Por imperativo legal, a constatação desta omissão obriga o auditor fiscal a lançar, de ofício, o crédito tributário decorrente desta infração, tendo em vista a receita marginal originária das saídas omitidas afrontar o disciplinamento contido nos art. 158, I, e art. 160, I, ambos do RICMS/PB:
Art. 158. Os contribuintes, excetuados os produtores agropecuários, emitirão Nota Fiscal, modelos 1 ou 1-A, Anexos 15 e 16:
I - sempre que promoverem saída de mercadorias;
Art. 160. A nota fiscal será emitida:
I - antes de iniciada a saída das mercadorias;
Para aqueles que incorrerem na conduta descrita nos artigos anteriormente reproduzidos, a Lei nº 6.379/96, em seu artigo 82, V, “f”, estabelece a seguinte penalidade:
Art. 82. As multas para as quais se adotará o critério referido no inciso II, do art. 80, serão as seguintes:
(...)
V - de 100% (cem por cento):
(...)
f) aos que deixarem de recolher o imposto proveniente de saída de mercadoria, dissimulada por receita de origem não comprovada, inclusive a representada por despesa realizada a descoberto de caixa, pela existência de passivo fictício ou por qualquer forma apurada através de levantamento da escrita contábil;
A presunção de que trata o artigo 646 do RICMS/PB, contudo, é relativa, cabendo ao contribuinte a prova da sua improcedência, conforme prevê a parte final do caput do referido dispositivo.
Ao se contrapor à denúncia, a recorrente, após uma breve síntese da autuação, alega a inexistência de permissivo legal (lei formal) para que o Fisco possa se valer da presunção de omissão de saídas de que tratam os autos para exigir, do contribuinte, o crédito tributário lançado na peça acusatória com base no resultado do Levantamento do Custo Industrial.
Ainda segundo a defesa, o RICMS/PB teria inovado, alargando o alcance da Lei nº 6.379/96 quanto à matéria.
Para que possamos melhor discorrer acerca do tema, convém analisarmos o teor dos §§ 8º e 9º do artigo 3º da Lei nº 6.379/96, vigentes à época dos fatos:
Art. 3º O imposto incide sobre:
(...)
Nova redação dada ao § 8º do art. 3º pelo art. 1º da Lei nº 9.550/11 (DOE de 07.12.11).
§ 8º O fato de a escrituração indicar insuficiência de caixa e bancos, suprimentos a caixa e bancos não comprovados ou a manutenção no passivo de obrigações já pagas ou inexistentes, bem como a ocorrência de entrada de mercadorias não contabilizadas ou de declarações de vendas pelo contribuinte em valores inferiores às informações fornecidas por instituições financeiras e administradoras de cartões de crédito, autorizam a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis ou de prestações de serviços sem o recolhimento do imposto, ressalvada ao contribuinte a prova da improcedência da presunção.
Nova redação dada ao § 9º do art. 3º pelo art. 1º da Lei nº 9.550/11 (DOE de 07.12.11).
§ 9º A presunção de que cuida o § 8º, aplica-se, igualmente, a qualquer situação em que a soma dos desembolsos no exercício seja superior à receita do estabelecimento, levando-se em consideração os saldos inicial e final de caixa e bancos, assim como a diferença tributável verificada no levantamento da Conta Mercadorias, quando do arbitramento do lucro bruto ou da comprovação de que houve saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados ou Vendidos, conforme o caso. (g. n.)
Da leitura do § 9º do artigo 3º da Lei nº 6.379/96, é possível identificar, de forma inequívoca, que a comprovação de haver o contribuinte promovido saídas de mercadorias de estabelecimento industrial em valor inferior ao Custo dos Produtos Fabricados ou Vendidos autoriza a presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis sem o recolhimento do imposto.
Observemos que, por meio artigo 1º da Lei nº 9.550/11, publicada no D. O. E. em 7 de dezembro de 2011, o legislador paraibano incluiu, na Lei nº 6.379/96, esta hipótese como suficiente para fazer emergir a presunção de que trata o § 8º do art. 3º da Lei nº 6.379/96.
Em razão desta alteração legislativa, o RICMS/PB, também passou a disciplinar, em seu artigo 646, parágrafo único, a presunção juris tantum ora em análise.
Resta demonstrado que, para o caso em apreço, a hipótese de presunção do fato gerador está plenamente contemplada na Lei que rege a matéria, não havendo, portanto, qualquer violação ao princípio da reserva legal.
Por oportuno, ressalto que o precedente[3] trazido pela recorrente para demonstrar que o Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba, em situações análogas, já afastara a presunção de omissão de saídas não se aplica ao caso em concreto. Isto porque, naquela oportunidade, fora discutido o suprimento irregular de bancos, denúncia que, diferentemente do caso em comento, não possuía, à época do fato gerador descrito no Auto de Infração de que trata o Acórdão nº 241/2014, expressa previsão legal para dar ensejo à presunção de omissão de saídas de mercadorias tributáveis sem pagamento do imposto devido.
Ainda segundo a autuada, não poderia a Fiscalização lançar mão da diferença entre o preço de custo de industrialização dos produtos e o montante das saídas desses mesmos produtos como base de cálculo do ICMS, ante a ausência de previsão em lei formal.
Para a defesa, far-se-ia necessário observar o disposto nos artigos 18 e 23 da Lei nº 6.379/96, vez que em seu artigo 23, parágrafo único, inciso IV, estabeleceu, expressamente, o Levantamento do Custo Industrial como critério de arbitramento da base de cálculo do ICMS.
Vejamos o que estabelecem os artigos 18 e 23 da Lei nº 6.379/96[4]:
Art. 18. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de mercadorias, bens, serviços ou direitos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé às declarações ou os esclarecimentos prestados ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.
Art. 23. Nos seguintes casos especiais o valor das operações ou das prestações poderá ser arbitrado pela autoridade fiscal, sem prejuízo das penalidades cabíveis, observado o disposto no art. 18:
I - não exibição, à fiscalização, dentro do prazo da intimação, dos elementos necessários à comprovação do valor real da operação ou da prestação, inclusive nos casos de perda ou extravio de livros ou documentos fiscais;
II - fundada suspeita de que os documentos e livros fiscais não refletem o valor real da operação ou da prestação;
III - declaração nos documentos fiscais, sem motivo justificado, de valores notoriamente inferiores ao preço corrente das mercadorias ou dos serviços;
IV - transporte ou estocagem de mercadorias desacompanhadas de documentos fiscais.
Parágrafo único. Para arbitrar o valor das operações ou prestações, nas hipóteses deste artigo, a autoridade fiscal levará em conta um dos seguintes critérios:
I - o preço constante de pautas elaboradas pela Secretaria de Estado da Receita;
II - o preço corrente da mercadoria ou sua similar na praça do contribuinte fiscalizado ou no local da autuação, ou o preço FOB à vista da mercadoria, calculado para qualquer operação;
III - o preço de custo das mercadorias vendidas (CMV) acrescido do percentual nunca inferior a 30% (trinta por cento), para qualquer tipo de atividade, nos termos do Regulamento;
IV - o preço nunca inferior ao custo dos produtos fabricados ou vendidos, conforme o caso, nos termos do Regulamento, em se tratando de saída de mercadorias de estabelecimentos industriais;
V - o que mais se aproximar dos critérios previstos nos incisos anteriores, quando a hipótese não se enquadrar, expressamente, em qualquer um deles.
Com efeito, dos dispositivos acima, extrai-se, sem maiores esforços hermenêuticos, que o arbitramento da base de cálculo do ICMS somente pode ser convalidado quando atendidas as condições dispostas nos artigos 18 e 23 da Lei nº 6.379/96.
Em apertada síntese, podemos inferir que se trata de medida excepcional, tendo espaço, tão somente, quando sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado.
Antes de tratarmos a respeito da base de cálculo para o caso em tela, faz-se necessário atentarmos para o fato que motivou a lavratura da peça acusatória em análise. Não podemos olvidar que, conforme já registrado alhures, o contribuinte está sendo denunciado por haver promovido saídas de mercadorias abaixo do preço de custo dos produtos fabricados.
Pois bem. Não obstante a defesa afirmar que a autoridade fiscal deveria realizar o arbitramento da base de cálculo das operações presumidas com base nos critérios estabelecidos no parágrafo único do artigo 23 da Lei nº 6.379/96, entendemos que, no caso em apreço, tal recurso se mostra inaplicável.
Imperioso compreendermos que o arbitramento, repito, só se legitima quando os valores (ou os preços) sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado.
Dito isto, observemos que os valores que serviram de base de cálculo para a apuração do crédito tributário são exatamente as diferenças entre o custo dos produtos vendidos e o valor das saídas dos produtos fabricados identificados nos exercícios de 2013 e 2014, conforme demonstrados nas planilhas anexadas às fls. 11 e 22, respectivamente.
E não poderia ser diferente, uma vez que o que se busca alcançar são os montantes das vendas omitidas traduzidas nos saldos deficitários obtidos quando do cotejo entre os valores das saídas das mercadorias do estabelecimento industrial e o Custo dos Produtos Fabricados.
Ora, este é exatamente o comando do § 9º do art. 3º da Lei nº 6.379/96. Não se vislumbra a necessidade de se incluir, na referida Lei, que esta diferença deve ser o valor omitido pelo contribuinte. A meu ver, seria, data vênia, uma redundância.
A respeito dos documentos e das declarações prestadas pelo contribuinte, é incontroversa a validade jurídica que possuem.
Na sua impugnação, o sujeito passivo se manifestou nos seguintes termos:
“Não se argua que a autoridade fiscal se baseou nas informações contábeis prestadas pelo próprio contribuinte, eis que estas informações não contêm presunção de veracidade, tanto que questionadas pela própria autoridade fiscal.”
O precedente apresentado às fls. 43 da peça impugnatória não possui similaridade com os autos em tela. No acórdão da 1ª Turma Julgadora do TATE/PE, foi reconhecida a nulidade do auto de infração em razão de o Fisco não haver apresentado documentação para respaldar parte dos valores apurados. Naquela oportunidade, foi verificada a inclusão de informações prestadas pelo contador da empresa, sem qualquer presunção de veracidade.
Na decisão recorrida, o julgador fiscal, depois de examinar a matéria, arrematou com precisão que, litteris: “o procedimento fiscal e documentos tiveram origem das informações extraídas da escrituração fiscal digital (EFD) e escrituração contábil digital (ECD) do contribuinte, são, por conseguinte, documentos que se encontram na posse do contribuinte. Ou seja, todas as informações a eles relativas foram extraídas das informações prestadas ao fisco Estadual pelo contribuinte localizadas em livros e documentos digitais, em sua guarda e no sistema SPED.”
Em oposição ao que defende a recorrente, suas declarações são dotadas de presunção de veracidade e, exatamente por este motivo, não foram desconsideradas pelo Fisco, servindo de fonte para o preenchimento das Demonstrações dos Resultados Industriais.
Relevante consignarmos que a autuada não contesta quaisquer dos valores alocados pelo auditor fiscal nas planilhas apresentadas às fls. 11 e 22. Não bastasse este registro, também merece destaque o fato de que, no recurso voluntário por ela interposto, a defesa deixou de arguir a nulidade do Auto de Infração por cerceamento de defesa em relação às provas da imputação fiscal.
Diante deste cenário, não caberia à fiscalização lançar mão de arbitramento, vez que ausentes as condições estabelecidas nos incisos do artigo 23 da Lei nº 6.379/96.
Neste ponto, peço vênia para reproduzir um fragmento do Parecer nº 015/2019 – PGE (fls. 410 a 415) da lavra do ilustre Procurador do Estado Francisco Glauberto Bezerra Júnior que, ao tratar sobre o tema em processo no qual a recorrente também alegara a necessidade de arbitramento da base de cálculo nos casos de presunção de omissão de saídas, assim se posicionou:
“Observem que o referido artigo regulamenta que, sempre que o cálculo do tributo tenha por base o preço de mercadorias, bens e serviços, a autoridade arbitrará aquele valor SEMPRE QUE SEJAM OMISSOS OU NÃO MEREÇAM FÉ, OS DOCUMENTOS EXPEDIDOS pelo sujeito passivo ou PELO TERCEIRO LEGALMENTE OBRIGADO, com base nesse dispositivo, chagamos à conclusão de que não houve um arbitramento e sim uma presunção de omissão de receita com fundamento no art. 646 do RICMS-PB, e não houve o arbitramento pelo fato de que as NOTAS FISCAIS NÃO LANÇADAS são documentos idôneos e hábeis para fundamentar a autuação, não havendo, portanto, no meu entender, necessidade de arbitramento.”
No caso dos autos, não se contesta a validade dos documentos nem, tampouco, das declarações prestadas pelo contribuinte.
Mesmo correndo o risco de nos tornarmos redundantes, não é demais destacarmos que o procedimento fiscal, no que se refere à utilização dos valores das diferenças entre os montantes das saídas e o custo dos produtos vendidos como receitas omitidas, não merece reparos.
O agente fazendário não poderia agir de maneira diversa, sob pena de contrariar expressas disposições legais às quais está vinculado.
O silogismo dialético da recorrente, caso prosperasse, traria, como consequência imediata, a impossibilidade prática de se autuar qualquer contribuinte, no âmbito da legislação do ICMS do Estado da Paraíba, com base nas presunções de que tratam os artigos 3º, §§ 8º e 9º, da Lei nº 6.379/96 e 646 do RICMS/PB, à exceção da Conta Mercadorias.
Não há como se extrair entendimento diverso daquele já consolidado em relação aos valores das vendas omitidas para efeito de aplicação das presunções relativas previstas no ordenamento jurídico do Estado da Paraíba.
Respondendo ao questionamento formulado pela recorrente acerca de como deverá ser a base de cálculo[5] apurada diante das hipóteses de presunção previstas nos §§ 8º e 9º do artigo 3º da Lei nº 6.379/96, entendemos que, da mesma forma que, no caso em exame, a receita omitida corresponde à diferença entre o valor das saídas dos produtos e o custo dos produtos vendidos; no caso do Levantamento Financeiro, é a diferença positiva entre o somatório das despesas e o total das receitas no período; no caso do pagamento extra caixa, são os valores dos desembolsos não registrados no Caixa, etc.
A presunção, ou seja, a compreensão lógica que se extrai de um fato conhecido para provar a existência de outro desconhecido não se limita ao fato em si, alcançando outros elementos a ele intrinsicamente associados. Tomemos, como exemplo, a falta de lançamento de notas fiscais e seus respectivos valores para formação da base de cálculo do fato presumido.
Sendo assim, para o caso em tela, não poderia o auditor fiscal lançar mão de qualquer tipo de arbitramento, uma vez que a validade jurídica dos documentos fiscais e das suas declarações não se está contestando.
Ao destacarmos a expressão “para formação da base de cálculo” no parágrafo que precede o anterior, buscamos chamar atenção para um assunto sobre o qual já nos posicionamos em outras oportunidades e que merece ponderação especial por parte desta Corte. Trata-se da inclusão do ICMS na base de cálculo do próprio imposto (gross up).
Para melhor compreensão, observemos as seguintes situações hipotéticas:
a) Um contribuinte realiza venda de mercadorias acobertadas por nota fiscal no valor total de R$ 100,00 (cem reais); enquanto outro realiza operação idêntica, porém sem emissão de documentação fiscal;
b) Os produtos por eles comercializados são sujeitos à tributação normal, incidindo a alíquota de 18% (dezoito por cento).
No primeiro caso, o contribuinte destaca o ICMS no valor de R$ 18,00 (dezoito reais) e, considerando que o montante do imposto integra a sua base de cálculo, por força do comando insculpido no artigo 13, § 1º, I, da Lei Complementar nº 87/96[6], havemos de concluir que o valor da mercadoria corresponde a R$ 82,00 (oitenta e dois reais).
Na situação em que não há emissão de nota fiscal, esta lógica resta prejudicada, pois não há como se concluir que o valor do imposto está embutido no valor da venda. Destarte, na venda realizada no montante de R$ 100,00 (cem reais), ao se aplicar diretamente a alíquota sobre o valor omitido, o ICMS está sendo calculado “por fora”.
Na primeira situação, a alíquota efetiva foi de 21,95% (vinte e um inteiros e noventa e cinco centésimos por cento). Já na segunda, correspondeu a 18% (dezoito por cento).
Em assim sendo, entendo que não deveria o Fisco exigir do contribuinte que omitiu receitas o ICMS “por fora”, sob pena de se instituir tratamento diferenciado (e mais favorável) àquele que se mostra em situação irregular.
Defendo, por conseguinte, que, em todos os casos de omissão de saídas, a base de cálculo não é o valor omitido, devendo ser calculado a partir deste, de forma a incluir o ICMS na sua base de cálculo, em obediência ao artigo 13, § 1º, I, da Lei Complementar nº 87/96.
No caso do exemplo anterior, a base de cálculo do imposto deveria ser R$ 121,95 (cento e vinte e um reais e noventa e cinco centavos), valor este resultante da seguinte operação:
R$ 100,00 / (0,82) = R$ 121,95, sendo:
R$ 100,00 –> valor das mercadorias vendidas;
0,82 –> diferença entre a unidade e a alíquota interna (1-alíq. interna).
O raciocínio, convém anotarmos, não foge à regra do ICMS. Ao contrário: este procedimento é aplicável a situações já bastante conhecidas, a exemplo do cálculo do ICMS Importação e do ICMS Diferido do etanol anidro, quando adquirido em outra Unidade da Federação.
Feito o registro, voltemos ao caso concreto.
A tese recursal ora apresentada, em que pese trazer à baila questões que exigem uma análise mais acurada, não é inédita e subverte toda a lógica das presunções previstas na legislação tributária do Estado da Paraíba.
O Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba já enfrentou o tema em ocasiões outras, tendo se manifestado, em casos análogos, à maioria, pela validação do procedimento fiscal que utilizou, como valor da operação omitida, o montante das notas fiscais não escrituradas, a exemplos das decisões proferidas por meio dos Acórdãos nº 497/2019 e 664/19, da lavra dos ilustres Conselheiros Thaís Guimarães Teixeira e Petrônio Rodrigues Lima, respectivamente.
No campo probatório, a recorrente nada trouxe aos autos. Sequer foram contestadas as informações registradas pelo auditor fiscal nas Demonstrações dos Resultados Industriais.
Sem mais a acrescentar, cabe-nos ratificar, em sua integralidade, os termos da decisão recorrida.
Com estes fundamentos,
VOTO pelo recebimento do recurso voluntário, por regular e tempestivo e, quanto ao mérito, pelo seu desprovimento, para manter incólume a decisão monocrática e julgar procedente o Auto de Infração de Estabelecimento nº 93300008.09.00001850/2016-38, lavrado em 5 de outubro de 2016 contra a empresa MÓVEIS AIAM INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA., condenando-a ao pagamento do crédito tributário no valor total de R$ 1.696.085,26 (um milhão, seiscentos e noventa e seis mil, oitenta e cinco reais e vinte e seis centavos), sendo R$ 848.042,63 (oitocentos e quarenta e oito mil, quarenta e dois reais e sessenta e três centavos) de ICMS, por infringência aos artigos 158, I; 160, I c/c os artigos 645, §§ 1º e 2º e 646, parágrafo único, todos do RICMS/PB e R$ 848.042,63 (oitocentos e quarenta e oito mil, quarenta e dois reais e sessenta e três centavos) de multa por infração, com arrimo no artigo 82, V, “f”, da Lei nº 6.379/96.
Intimações necessárias a cargo da repartição preparadora, na forma regulamentar.
[1] Reincidência não configurada, haja vista as infrações contidas no Termo de Antecedentes Fiscais juntado às fls. 54 não guardarem correspondência com o caso ora em análise.
[2] Redações vigentes à época dos fatos geradores.
[3] Acórdão nº 291/2014 do Conselho de Recursos Fiscais do Estado da Paraíba.
[4] Redações vigentes à época dos fatos geradores.
[5] Sobre a base de cálculo nos casos de omissões, faremos algumas considerações adiante para diferenciar o valor omitido da base de cálculo do ICMS.
[6] Art. 13. A base de cálculo do imposto é:
(...)
§ 1o Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo:
I - o montante do próprio imposto, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle;
Tribunal Pleno, sessão realizada por meio de videoconferência, em 27 de agosto de 2020.
Sidney Watson Fagundes da Silva
Conselheiro Relator
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